Ponto Carmo

São João da Cruz, um homem de esperança

1. Estamos em Advento. E Advento é espera. E esperar é uma arte, não uma resignação. De que nos serve esperar se a espera não for vital, dinâmica e, sobretudo, sim, sobretudo, paciente. Paciente é cá para mim uma qualidade do tempo de Deus a não desprezar.
Admiro as pessoas pacientes, com lágrimas ou sem elas; se Deus nos tem nas mãos, melhor, se a todos nos tem no coração, como ousar pensar que Ele nos esqueça ou despreze? Não, ama-nos, sofre-nos, sustenta-nos. Só que o Seu tempo é de uma outra qualidade, lá está. Um tempo grávido, que exige espera.

2. Ora aí está a mais bela dimensão do Advento: esperar como quem, feliz, espera durante uma gravidez. Bastar-nos-á olhar para as figuras que a liturgia nos oferece para imitação, e isso mesmo concluiremos: Isaías, João Baptista, a Virgem Maria; e uma outra, que sendo católica não se nos achega pela via litúrgica, mas pela espiritualidade: nosso pai são João da Cruz, cuja festa ocorre no Advento (a 14 de dezembro).
Que belos quatro exemplos de espera!

3. Crê-se que Isaías possa ter profetizado por cerca de sessenta anos! Que tinha ele a dizer em nome de Deus por tão longo período de tempo? Denunciando a infidelidade do povo à Aliança, Isaías chama-o repetidamente à fidelidade para com o Senhor, conforta-o e fermenta-lhe a esperança na restauração futura. Isaías é assim um profeta que nos convoca para a confiança e bênção de Deus. Não é um profeta de maus agoiros, antes uma voz ardente que nos fala das maravilhas que hão de nascer – «uns novos céus e uma nova terra» (66:22) – nos dias do Messias. Poderíamos pedir mais?

4. Também João Baptista nos ensina a esperar. Filho de Isabel que já não esperava ser mãe, é um óbvio profeta da esperança. Primo de Jesus, era seis meses mais velho que ele. É o último dos profetas e, em palavras de Jesus, o maior. Coube-lhe semear no coração do povo a boa disposição para receber o Messias tão esperado. E fazia-o a preceito; na sua pregação chamava a todos à penitência e mudança de vida, e nem a prisão lhe calou a língua ou lhe amordaçou a esperança. Se pressentia que o Messias estava para vir, que viesse, pois, que ele trataria que fosse bem recebido: não deixava, por isso, que ninguém cedesse à mediocridade ou conveniência, exigindo a todos um real estado de prontidão.

5. Ninguém suplanta a esperança festiva da Virgem Maria. Ninguém! Pelo seu sim, O que há de vir, já chegou, e já se encontra no meio de nós! O mistério escondido durante séculos vive já no seu seio – logo, no meio de nós! – há nove meses. Como é bela a Senhora da Esperança! Por estes dias, para onde haveria ela de olhar, se não para dentro? Por que haveria ela de mirar para fora se o Filho que traz no seio é o Salvador tão aguardado? E com quem haveria ela de falar (ou a quem haveria de dirigir-se) se não com a Palavra? Que sentimentos, que alegrias, que palavras não disse ela baixinho ao Verbo que nela se gerava!
Com que doçuras esperou a Mãe pelo nascimento do Filho! Com que ternuras…

6. Em cada 14 de dezembro celebramos nosso pai São João da cruz, homem que, enquanto homem, foi «celestial e divino»! No dia da Imaculada de 1591 a Mãe fez-lhe saber o dia da sua morte: daí a dias, na viragem do 13 para 14. Que delicadeza da Mãe para com aquele seu tão querido filho!
Olhando para a Virgem Mãe e olhando para São João da Cruz pressinto uma ligação única: quem percebeu, tão bem como ele, que para esperar e acolher a Deus é preciso esvaziar-se? Ou será que Deus pode conviver com um interior sujo e impróprio, e sem lugar para O receber?
Sim, sim, contemplando a Virgem Cheia de Graça e de Esperança, São João da Cruz ensina-nos que só há um caminho para receber a Deus: o do esvaziamento. Total, diga-se. Sim, que Deus entra se nos esvaziarmos de nós mesmos – como fez Maria. Sim, sim, o aconchegamento de Deus, tal como Deus merece e espera de nós, só é possível se antes alcançarmos o esvaziamento da nossa vasilha interior. Já pensaste nisso?
Ora, se a ideia nos parece interessante, não é, porém, fácil de pôr em prática. Como se pode ir contra nós próprios, até ao ponto de nos esvaziarmos absolutamente de nós mesmos? Convém, porém, ter por certo que o esvaziamento de nós é porque almejamos preencher-nos do maior dos tesoiros: Deus; mas… mas como abrir suficientemente o nosso tão acanhado coração para o absoluto? Como largar amarras que nos dão (falsas) seguranças e para nos tornarmos absolutamente (!) disponíveis para a vontade de Deus? Como, meu Deus?
É isto que em São João da Cruz tanto admiro até às lágrimas, e não vejo outro ou outra que tanto tenha feito como ele e tão bem tenha imitado a Virgem Maria: a confiança em Deus! Digam-me lá: quem conhecem por aí, que viva completamente aberto e disponível para Deus? Quem é que como Ela, e como ele, vive dizendo (e rezando) o que vier que venha, o que for será? Quem como Ela, como ele, reza com inteireza aquela prece do Pai Nosso, que diz: «seja feita a vossa vontade»?

7. Claro que só posso gostar de um homem (ainda para mais, santo!) que passou pela vida assumindo que nada tinha de seu (e não tinha; que na hora da morte até o hábito pediu para que à terra descesse dignamente amortalhado…). Que quem nada tem de seu, nada teme perder, e tem tudo a ganhar! Só alguém assim sabe abrir-se inteiramente a Deus. Eu ainda o não consigo, mas se ele e Ela me ajudarem, lá irei…

8. Que nada tenha quem o Tudo queira!

Frei João Costa
.carmo | nº 219 | dezembro 11, 2022