Ponto Carmo

Somos de um Menino Rei

1. Já não é Natal, mui apesar das quatro coroas que ainda continuam na fachada da nossa igreja do Carmo. Não é por ser Natal, portanto, que elas ali restam. E também não é por esquecimento.
Uma antiga tradição carmelita faz com que o perfume do Natal ainda se prolongue até este segundo domingo do Tempo Comum, por nele celebrarmos a grande devoção ao Divino Menino Jesus de Praga. A infância de Jesus continua, pois, mediante a liturgia, diante do nosso olhar, diante e no centro do nosso coração. Em boa verdade, neste domingo segundo do tempo comum, nós, Descalços Carmelitas, queremos continuar a honrar, em família, em comunidade e em nossos corações, com alegria, amor e fé, o Menino Jesus que, como Infante, se manifestou no Carmo da cidade de Praga, capital da antiga Boémia, hoje Chéquia, como nosso Salvador.
Nunca Ele falha a quem O honram, foi Ele que o prometeu! E Ele cumpre o que prometeu!

2. Ao longo dos séculos, a devoção ao Menino Jesus encontrou no coração dos fiéis duas grandes expressões: o presépio e a devoção ao Menino Jesus de Praga.
O presépio remonta a São Francisco de Assis que foi quem construiu o primeiro. A cosia passou-se assim: no Natal de 1223, Francisco encontrava-se na localidade de Greccio e tratava de explicar aquele povo, com pouco sucesso, aliás, o mistério do Nascimento do Salvador. Eis se não quando o santo pediu que lhe trouxessem uma imagem do Menino Jesus, uma manjedoura, palhas, um boi e um burro. Consta que no momento em que ia depor a imagem do Menino Deus nas palhinhas ela tomou vida, o Menino sorriu a Francisco; Francisco abraçou o Menino e logo depois deitou-o nas palhinhas. Então, comovido, logo o povo ajoelhou, e o Menino sorriu de novo, ergueu a mãozita e abençoou todo o povo. E é assim que, de ano em ano, os cristãos constroem os seus presépios para receber o sorriso e a bênção de Deus.

3. A origem da devoção ao Menino Jesus de Praga é três séculos mais recente — dos inícios do sec. XVII. Rezam as crónicas que em 1624 os Carmelitas Descalços chegámos à Igreja de Nossa Senhora da Vitória, em Praga. Era um convento pobre. Aliás, tudo em volta, na cidade, era pobre, pois que as guerras tudo comem — e sim, aqueles eram tempos de guerra. Em 1628, a princesa Polycena de Lobkowitz, boa conhecedora das agruras dos pobres frades Carmelitas ofereceu-lhes uma pequena imagem de cera representando um formoso Menino Deus e rei, de doze anos, postado de pé; a mão direita está erguida, em atitude de bênção, e a esquerda segura um globo dourado encimado pela cruz redentora.
(Consta que, em seus dias, a imagem pertencera a Santa Teresa de Jesus. Diz-se, aliás, ter sido ela quem primeiro vestiu o Menino Jesus com roupas de rei! Das mãos de Santa Teresa a linda imagenzinha passou para as de Dª Isabel Manrique de Lara y Briceño ao partir esta de Espanha para a Boémia, a fim de contrair núpcias com o conde Vratislav von Pernstein. Do casal nasceram treze filhos, Polycena foi um deles. E acabou sendo a esta sua filha que Doña Isabel ofereceu a querida imagem quando esta contraiu núpcias em 1618 com o conde Willelm von Rosenberg; dez anos depois a princesa ofereceu-a a Frei João Luís da Assunção, Prior do Carmo de Praga, dizendo-lhe: «Meu padre, entrego-lhe o maior tesouro que possuo neste mundo. Prestem muitas honras a este Menino Jesus e nada lhes faltará!». A princesa, diga-se, sabia do que falava.)

4. A pequenina imagem — não mais de 48 cm — que, ainda hoje, tantos devotos atrai e grangeia pelo mundo inteiro é, de facto, muito bela; o seu rosto é gracioso e amável; as suas mãos abençoam-nos e sustentam o mundo; a túnica branca lembra que Ele é sacerdote; a coroa e o manto vermelho, que é rei. Ao peito traz uma cruz, lembrando a sua Paixão redentora, pela qual fomos salvos, e os dedos indicador e médio da mão direita, a que abençoa, apresentam-se erguidos e unidos por uma aliança, dizendo-nos que aquele Menino é Deus e homem.

5. Seriam precisos muitos livros, muita arte e visão afiada, para se alcançar narrar com dignidade, as graças e grandes benefícios que o Pequeno Rei — eis o nome daquela tão querida imagem — concedeu aos Irmãos Carmelitas, à cidade de Praga, ao mundo católico, a quantos se aproximam e recorreram ao Seu coração de menino, e Lhe imploram a bênção poderosa.
6. No dia 26 de setembro de 2009, o Papa Bento XVI peregrinou aos pés do Divino Menino Jesus de Praga, onde se recolheu em profunda oração, antes de visitar a nação checa. Quão curioso é que o Papa antes de visitar aquela nação tenha visitado o Menino Jesus! Naquela peregrinação Bento XVI coroou a imagem do Menino Jesus Rei, como forma de nos dizer que toda a nossa vida deve estar centrada em Jesus.
Coroar uma imagem sagrada representa, ainda hoje, a mais alta homenagem que a Igreja Católica concede às imagens de Jesus Cristo e da Mãe de Deus e, por consequência, aos seus devotos. Por essa razão, aquele gesto do Papa para com a imagenzinha do Menino Jesus Rei exprime uma profunda verdade: Jesus é rei enquanto criança; o Menino é o único rei que não faz guerra e, por isso, pode trazer a paz ao nosso mundo ferido pelas armas e pelo ódio entre irmãos.
Naquele dia, a Igreja de Nossa Senhora da Vitória estava cheia de crianças e suas famílias; disse, então, o Papa Bento XVI, numa alocução muito oportuna: «A imagem do Menino Jesus faz-nos perceber a proximidade de Deus e do seu amor. Contemplando-a compreendemos quanto valemos a seus olhos, porque graças a Ele, também nós nos tornamos filhos de Deus!».
E confiando as famílias do mundo inteiro, e não apenas as católicas, ao Menino Jesus Rei, o Papa acrescentou: «No Divino Menino Jesus de Praga contemplamos a beleza da infância e a predilecção que Jesus Cristo demonstrou sempre pelos mais pequeninos. Quantos meninos, por outro lado, não são amados, nem acolhidos, nem respeitados! Quantos são vítimas da violência e da exploração por parte de pessoas sem escrúpulos! Oxalá estes menores tenham o respeito e a atenção que lhes deve: os meninos são o futuro da humanidade!”.
Afinal, meninos ou não, todos somos desse Menino!

Frei João Costa
.carmo | nº 224 | janeiro 15 2023