30 Dias Com Frei Francisco Maria

Orar 30 Dias com Frei Francisco Maria | 38

Chamado a servir

Só o desejo de servir deve levar alguém a enveredar por uma vocação sacerdotal. Outros motivos são igualmente aceitáveis, mas secundários. Alguns candidatos poderão ser atraídos por uma certa aura que ainda existe, embora muito atenuada, de liderança e prestígio social; outros, pela emoção estética inerente a um culto rico em sonoridades, luzes e odores; outros, por uma piedosa devoção religiosa que os arrebata a um plano superior de entrega e renúncia; há ainda os que procuram uma vida de recolhimento e fuga ao mundano. Nada disto está errado se for colocado no devido lugar, isto é, no lugar das consequências e não das causas. A causa, digo-o e reafirmo-o, só pode ser uma: o desejo sincero e humilde de servir, imitando Cristo. E servir quem? Alguém com a doutrina na ponta da língua dirá, sem hesitar, a Deus. Mas eu digo: Deus não precisa de ser servido, quem precisa de ser servido são as pessoas e, servindo as pessoas, estaremos a fazer a vontade de Deus. Na Igreja, tenho a sensação que, por vezes, passamos mais tempo preocupados com Deus do que com as pessoas. Preocupar-se com Deus é o princípio do ateísmo e da redução da religião a ideologia. Ora, a religião não deve ser entendida como uma ideologia, mas como um ideal.
Falemos de ideal, pois é disso que se trata quando falamos de vocação. E não de ideologia. Para vocações ideológicas existem outras agremiações, como partidos políticos, associações, clubes e inúmeros fóruns… O ideal que deve mover um qualquer jovem ou adulto para uma missão tão específica e especial é o de tornar a vida das pessoas melhor: escutando; confortando; valorizando; envolvendo; e partilhando. É isto que fazem os melhores sacerdotes que conheço. É isto que eu desejaria que todos fizessem.
O sacerdócio não é uma corrida de cem metros; é uma longa e desgastante maratona. A solidão e o conformismo, que conduz ao desleixo e à indiferença, são duas ameaças constantes, só combatíveis com uma sólida rede de amizades e uma vida mergulhada na oração. Os padres mais felizes que conheço não se escondem nem se fecham, têm muitos amigos, circulam pelas casas dos outros, distribuindo e colhendo afeto e alegria, o combustível que lhes dá alento e lhes permite manter-se em marcha.
Um olhar transversal e neutro sobre as religiões dá-nos a imagem do sacerdote como mediador do sagrado, alguém que faz a ligação entre o humano e o divino. O padre é assim uma espécie de antena que capta o sinal do Mistério e o difunde ao seu redor, conectando as pessoas com uma fonte de sentido e de ânimo. As suas mãos erguidas traçam o gesto que atrai do alto o Supremo Bem e eleva os fiéis para um campo infinito de bem-aventuranças. Este ofício solene e exato, ao aproximá-lo simbolicamente da franja do Mistério, coloca-o bem acima do nível de um animador social; contudo, o seu papel de mediador não se esgota neste eixo vertical. A travessa horizontal da cruz faz-se na mediação entre as pessoas. Constituído mediador do sagrado, a sua investidura cumpre-se plenamente como mediador social, facilitando o diálogo, a concórdia e a justiça entre todos, crentes e não crentes. Um padre que seja fator de divisão em vez de união é como um fogo que, em vez de aquecer, destrói. Para ser um bom moderador tem de saber dosear a sua própria intensidade e grau. Dissemos, no início deste texto, que a função principal do sacerdote é servir, o que faz dele um instrumento, um instrumento de Deus – costuma dizer-se. Instrumento e instrução têm a mesma raiz; não é por acaso. Um bom serviço é feito com inteligência e estudo, com fé e cultura. Sem estas dimensões bem ativas, corre-se o risco que corre qualquer aparelho tecnológico que não seja atualizado, emperra e deixa de ser útil. O pior que pode acontecer a um padre é ficar obsoleto ou, no extremo oposto, ficar absoluto. Entre os dois polos há um espaço de ação bastante largo, não tão desfavorável e acidentado como tantas vezes se julga, nem tão linear e controlado como alguns querem. Razão tinha quem imperiosamente convidava: duc in altum!

Martinho Soares
Professor universitário, ex-seminarista
Coimbra, 15 de dezembro de 2022

Por entre os caminhos do ser,
na encruzilhada de trilhos nunca navegados,
uma voz que sussurra ao meu ouvido,
passando como brisa ténue e terna.
O convite a uma vida nova,
configurada, transformada e possuída pelo Tudo.
Servir. Sim, ser servo,
baixar-me, lavar os pés, as mãos e a cara.
Fazer-se tudo para todos, à Sua imagem.
Ter a ousadia de lançar as redes
e mergulhar no mar de dúvidas e de açucenas.
Ser mais. Com todos. N’Ele.
Ámen.

Em os 30 Dias com Frei Francisco Maria pretende-se criar um lugar de reflexão e oração para e com o Frei Francisco Maria que, no dia 28 de janeiro de 2023, fará a sua Profissão Solene.
Cada dia, acompanhado por um rosto e um texto concretos, o Frei Francisco Maria fará a sua preparação espiritual para a sua entrega definitiva ao Senhor.
Acompanhado por tantas pessoas, rezará por cada uma e por cada um, de forma a todos incluir nesta caminhada rumo à sua consagração definitiva no Carmelo Descalço.

1 thought on “Orar 30 Dias com Frei Francisco Maria | 38”

  1. Inteligência…estudo…fé…uma tríade sempre desafiante em cada dia e situação…

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