1. Todos queremos ser felizes; só os tolos é que não o procuram ser. Directa ou indirectamente, tudo o que fazemos visa o alcance da nossa felicidade, e a dos nossos. A quanto trabalho nos damos para se ser feliz! Quanto trabalho… E, por vezes, quantos caminhos percorridos inutilmente para se tratar de alcançar essa felicidade.
A Palavra de Deus deste domingo IV do Tempo Comum, ciclo A, diz-nos que Deus é feliz e nos quer fazer participantes da sua felicidade. Podemos, portanto, enquanto católicos, almejar a felicidade? Sim, podemos! Quem diria, pensarão alguns.
2. É recorrente pensar-se – mais fora que dentro da Igreja – que ser-se católico é opção mais acertada para quem não quer ser feliz. Nada mais errado.
A verdade, porém, é que todos nós, católicos ou não, almejamos sê-lo, porque nós, humanos, fomos criados, para sermos felizes. E não estamos bem enquanto não formos felizes; a diferença está que alguns se contentam com migalhas.
É deveras de assinalar que nós, ocidentais, vivemos, quase por inteiro, num mundo desligado e sem referência à religião, numa sociedade pagã, por opção; isto leva a que entre nós, Deus seja assumido como um estorvo (à felicidade; como pode aceitar-se que uma vontade – pergunta-se – externa à do indivíduo autónomo, condicione a nossa vontade, e o desejo, de sermos felizes?), e a transcendência, seja tida como inexistência ou, na melhor das hipóteses, inalcançável. Resta, portanto, dizem, o aqui e agora, pelo que convém disfrutar o momento, enquanto é tempo, enquanto se é jovem e os sentidos estão em alta. Mas é engano ledo, pois os sentidos não são tudo, e tem tudo se poder fruir no imediato, sem distanciamento.
3. (Não há muitos dias ouvi um cantor com relevância na nossa praça assumir posições parecidas a esta, ao assumir-se como «espiritual, mas não religioso», porque ser-se religioso exigiria, disse, que se falasse em «transcendência», e a palavra, só de pensá-la em frente ao grande público, dava-lhe uma notória e incontrolável urticária; mas disse-a, e dizendo-a ela saiu-lhe aos baldões e aos solavancos, coisa que ele não é quando canta em palco!)
Por isso, sem pejo, alguns dizem, até com certa jactância, que ser-se religioso é escolher ser perdedor; e se quem o diz – Ted Turner – é rico e bem sucedido, então, é óbvio, que as suas palavras ganham ainda mais relevo e são mesmo ouvidas por uma imensa multidão. Pois, quem é que não quereria ser tão rico como Ted?
4. Mas, afinal, um homem, ou uma mulher, ricos e bem sucedidos, podem ser considerados felizes?
Pensemos o que quisermos – dirão os cépticos mais altivos – o dinheiro em si não traz a felicidade, mas lá que ajuda, isso ajuda. Recordo aqui, porém, duas estórias: i) o homem mais feliz que conheci (na verdade não conheci senão nas histórias de meu pai…) não tinha braços nem pernas, e tinha o rosto desfigurado por uma explosão em contexto de guerra. Antes e depois da tragédia ele era, dizia-nos, o homem mais simpático, mais prestável, mais acolhedor e inclusivo; com ele por perto reinava a alegria, ninguém estava triste; era, enfim, como se para ser-se feliz não fosse preciso nem pernas, nem braços, nem uma cara linda… ii) Cecil Rhodes (1853-1902) era inglês e fez fortuna invejável e êxito verdadeiramente assinalável, também como político, na África do Sul. Certo dia um jornalista felicitou-o por ser exitoso e feliz; ao que ele contestou, não com certo humor: – Feliz, eu? Não, não sou! Claro que não sou! Passei a vida preocupado em acumular fortuna, e agora tenho de a gastar, como se vê! Metade com os médicos, a ver se evito ir para a sepultura! A outra metade, gasto-a com os advogados, tentando evitar cair na prisão!
Miremos quem miremos, concluo para mim, a felicidade não é, de todo, imediatamente alcançável ou, mais precisamente, não é alcançável aqui, neste mundo, mas mais longe, bem mais longe daqui! E, no dinheiro é que, de todo, ela não é encontrável!
5. Onde, então, acharemos, a felicidade?
6. Para mim é óbvio que não podemos sair do terreiro da religião, daquilo que nos liga – como indivíduos e como comunidade – ao eterno. Quem, por si ou por outrem, cortar, ou aceitar que lhe cortem o cordão umbilical com o transcendente, está a (aceitar) amputar em si a melhor parte de si, o termo ou meta final para onde tendemos, e que dá sentido ao nosso caminhar.
Trocar o eterno pelo efémero é trocar o pão fresco por migalhas de bolor – intragáveis, como se sabe, e que só aumentam a fome!
É certo que as religiões – e não, não apenas o Catolicismo… – perdem a cada dia espaço público e aderentes; sinal de que, enfim, como ignorar, que para alguns, as migalhas sejam mais apetitosas e apelativas.
7. Mas como viver, se não for para prosseguir, dia a dia, incansável e sem voltar atrás, a busca da felicidade? Eis, portanto, sem pelos nem agravos, a proposta de felicidade de Jesus: felizes… os pobres, os humildes, os mansos, os limpos de coração, os famintos, os construtores da paz…
Felizes, quem?, já estou a ouvir vozes de escândalo. Como podem ser felizes aqueles a quem os escandalizados se habituaram a considerar malditos, infelizes e manipulados pela Igreja? Como podem ser felizes os que sentem a dor e a privação, e não o êxito e a glória neste mundo?
Jesus é realmente surpreendente: então não é que nos propõe sermos felizes sem lutarmos por possuirmos felicidade sem mais, mas tão só, esforçando-nos por sermos para os outros mãos e coração; mãos que se abrem e se dão em forma de carícia e bênção, e coração que chora ao lado dos que choram?
Frei João Costa
.carmo | nº 225 | janeiro 29 2023