Ponto Carmo

Por que não erguemos nós o pescoço?

1. Terceiro domingo de Advento, terceiro de quatros passos rumo ao Natal. Terceiro de muitos passos que nos levarão pela roda do ano, ao longo de cujo curso a Igreja comemora o mistério da vida humana de Jesus Cristo, desde o Santo Nascimento à Ressurreição, da Ascensão ao Pentecostes e à feliz expectativa da Sua última vinda. Sempre que nós, cristãos, nos reunimos para celebrar a sagrada liturgia, celebramos os mistérios que sucederam no passado, e tornamo-los presentes no tempo e no andar da nossa vida. O Advento é apenas tempo de preparação para o do Natal; porém, a vinda do Senhor Jesus, acontece num tríplice plano: passado, presente e futuro. Jesus veio já na pobreza e na alegria do presépio, cumprindo a promessa de habitar no meio do Seu povo. O Advento celebra ainda a presença misteriosa, viva e actuante de Jesus Cristo na Sua Igreja. E aponta esperançadamente para o futuro, para a Sua última vinda.

2. Em cada Advento o terceiro domingo é sempre um domingo especial: nele estala e rebenta a alegria, porque o Natal do Senhor está bem perto.
Em meio da sobriedade típica do Advento, a missa deste domingo abre com uma oração rezada secretamente pelo sacerdote, que diz assim: «Alegrai-vos sempre no Senhor; exultai de alegria: o Senhor está perto.» – É desta proximidade que este domingo recebe o justo nome de Domingo da Alegria. Logo depois, a segunda leitura, da Carta aos Filipenses inicia assim: «Irmãos: Vivei sempre alegres, orai sem cessar, dai graças em todas as circunstâncias».
A alegria, mais uma vez, o imperativo da alegria… Mas por que razão, nós, cristãos, precisamos tanto de apelar para a alegria?

3. Vivemos tempos tão transtrocados que não sei se os saberemos bem entender, suportar e viver. Com muita facilidade, numa roda ocasional de amigos (ou apenas conhecidos) tudo ri, tudo parece galhofeiro e bem disposto, descontraído, em bem estar. Mas afinal, não. Afinal, mal cai a cortina da conversa e os amigos viram as costas, e cada um vai para a sua vida, logo cai o sorriso de cada qual, e se transmuda o rosto para o modo quotidiano acinzentado, stressado, preocupado, porque… porque o futuro que se nos advém é tão terrivelmente negro e incerto, que o que em nós mais manda é o peso depressivo do aborrecimento e do medo.
E por aí vamos indo, de aborrecimento em aborrecimento, como quem tenta enganar a vida.

4. É para estes contextos de soturnidade e cansaço existencial que o Advento cristão puxa pela nossa alegria. É claro que, em havendo alegria em nossas vidas, não seria necessária. Mas porque tudo nela é tão negro, tão susto, impõe-se clamarmos por ela. Porque ela rareia, mais se torna relevante chamá-la.
Obviamente, nas celebrações deste domingo, não irei fazer stand up comedy católica, que é como quem diz: não irei apelar ao riso, porque a vivência da alegria cristã não é disso que se trata. Mas procurarei, com todas as forças da minha alma, que os que a elas se acheguem tristes e preocupados delas saiam mais leves, mais fortalecidos, mais esperançosos, mais sãos.
Irei, antes, lembrar que a alegria não é nem um dever nem obrigação de sempre rir. Niguém tem obrigação de sempre rir, de sempre estar feliz porque nós, os que que professamos a fé em Cristo não rimos sempre, nem andamos sempre animados. Pelo contrário: sofremos, aborrecemos e acabrunhamos como os demais. Porém, se tristes, nada nunca nos impera que coloquemos a máscara do palhaço rico, pois não nos alegramos por dever, para encantar a plateia, como se sem o riso dela não fizesse sentido viver. Pelo contrário, nós alegramo-nos mas por dom, por sermos receptores da dádiva do verdadeiro sentido de vida.

5. O que se nos pede é que nunca sejamos tristes – a tanto nos adverte o Advento, sim; aliás, lembrando o Papa Francisco, não deixamos nunca que nos roubem a alegria – tal significaria que nos roubariam Jesus, e nós não podemos perder Quem quis ficar connosco para sempre como causa da nossa alegria.
Mesmo se não O compreendemos, não deixemos que nos roubem Jesus! Mesmo se parece ausente, guardemo-l’O no coração para sempre O sabermos encontrar. Sim, como os demais também nós temos dificuldades e obstáculos a empecer-nos a vida, os passos e os sonhos; mas avante para Jesus e com Jesus, que nunca a nossa alegria está no possuir muitas coisas, antes no acolher do dom que Ele é, mesmo se O não compreendemos, e na aceitação da dadádiva do encontro com a Sua pessoa.
Bem sei que muitos O temem e outros tantos O evitam porque não podem assumi-l’O como dom que engradece as suas vidas. Mas como haveremos de temer um Deus que se fez bebé por nosso amor? Como podemos temer Quem nunca ergueu nem permitiu que em Seu Nome se erguesse um pau ou uma espada? Como nos assustaremos com o olhar de ternura do jovem galileu vilmente torturado e logo subido a uma cruz – onde morreu; e por que morreu senão por nós? –, e ali morreu, perdoando?

6. Ninguém mais senão Jesus poderia assumir a Sua vida e dela Se despojar para (nos) salvar! Portanto, como ignorá-l’O, ou pior, como temê-l’O?
Qual náufrago que se agarra a um migalho de madeira, agarro-me eu, hoje, às primeiras palavras da Segunda Leitura, onde intuo que Deus sempre nos quis e quer felizes – que tal é a obra de Jesus! Deus sempre nos quis e quer alegres e gratos! Aliás, ver-nos felizes é toda a Sua alegria! A nossa será, obviamente, fazê-l’O feliz a Ele! Bem pode ser que esteja escondido (e o Seu rosto feliz, de todo, não nos ilumine…), e está, mas está próximo de nós, e até oculto em nosso coração! E porque não acolhemos nós a palavra de Paulo que nos anima a «não apagar o Espírito» – e não posso aqui não lembrar a vela que quando exposta a uma corrente de vento, logo se apaga… –? Porém, estar alegre é também deixar que o Espírito actue em nós. Ora se assim é, e é, não posso compreender que qualquer que seja o jugo que alombemos, não ergamos jamais o pescoço, animados por querer ver Aquele que está discretamente activo e presente no meio de nós para nossa alegria e nosso júbilo!

Frei João Costa
.carmo | nº 260 | dezembro 17 2023