1. «Ter à m.»; «Homem de m.»; «Uma m. lava a outra (e as duas a cara)»; «Cair (ou não cair) nas m. de…»; «M. na m.»; «M. na massa»; «Ao menino e ao borracho põe Deus a m. por baixo»; «M. de mestre é unguento»; «Até ao dar a m. há arrependimento»; «Morder a m. que afaga»; «M. frias, coração quente»; «A m. na dor, o olho no amor».
2. Por alguma razão o nosso povo recorre com frequência às mãos para se expressar. Os provérbios acima são uma breve recolha que transparece uma certa transversalidade, e até universalidade, daquela sabedoria. Registo estes, mas haveria muitos mais a que deitar mão, ou as mãos, embora agora não seja necessário afirmar que «também tenho duas m.».
Ilustrar algo com a mão indica disponibilidade para se entregar a uma tarefa, indicia a arte em que se seja profissional, e diz da índole de alguém. Afinal, ou se é mão morta, ou se tem mão para a coisa. Alguns têm mão para tudo; já ser «um mãozinhas» pode ser bom, mas o subentendido leva-nos a acautelar a algibeira. «Ter sangue nas m.» ou «ter de as lavar» também não é bom sinal. Já a disponibilidade para «sujar as m.» costuma ser um imperativo do Papa Francisco, embora possa significar coisas bem piores noutros contextos.
Que Deus tem mãos di-lo também um provérbio quando nos recorda, que «Deus castiga com a esquerda e cura com a direita» e «é nas Suas m. que está o tempo».
Enfim, não faltam provérbios à mão de semear que nos instruam o andar pela terra e outros que nos conduzem rumo ao céu, já a «m. branca não manca», e negra é a que só bate e magoa, e segundo o Evangelho, jamais «a esquerda deve saber o que faz a direita». Poderíamos, com certeza, prolongar este elenco de provérbios, mas estes bastam para nos lembrar que dizer mão é, em certos momentos, dizer o homem todo, e dizê-lo todo é também dizê-lo, ora em toda a sua riqueza interior, ora na sua grandeza de filho de Deus, e também na mesquinhez dos seus vícios e torpezas, sem esquecer a sua intencionalidade que é tanto mais pura, nobre e santa quanto mais imitamos os gestos de doação de Jesus.
3. (Ah, desculpem-me, por favor, por andar a trocar as mãos pelos pés, pois não é bem disto que eu queria falar, mas das mãos de Jesus!)
Ai, as mãos de Jesus, as mãos de Jesus!
4. No início do anúncio do Evangelho, conta-nos São Marcos, estava Jesus em Cafarnaum e era sábado – o sábado é ainda hoje o dia em que os judeus se reúnem para rezar em assembleia. Depois de rezar e de sair dali, foi a casa de Simão (Pedro) e André. À chegada disseram-Lhe que a sogra de Simão estava de cama com febre (Tinha de ser uma febre bem alta, que não é por tuta e meia que uma mulher cai de cama…). Logo Ele se dirigiu ao seu quarto, e tomou-a pela mão, ela levantou-se e a febre deixou-a!
5. Que conste, as mãos não falam, nem as de Jesus – mas sempre dizem das Suas acções: naquele sábado Ele tomou pela mão a sogra de Simão e ela levantou-se. A acção é óbvia: as mãos de Jesus alevantam (uma idosa que estava tolhida ou, ao menos, apartada dos demais; oferecem-se-lhe como apoio, tomam-na e ela aceita-as. E levanta-se. E em deixando-a a febre, ela põe-se a servi-los).
A Jesus jamais é indiferente algum mal, nem mesmo um que possa parecer menor ou passageiro. É certo que não sabemos de que mal padecesse a velhinha – sabemos apenas que tinha febre; e sabemos que Jesus não se fez de desentendido ou evitante, nem cavou distâncias para ela. Não, nem um nem outro. Pelo contrário, quis saber, e soube, aproximou-se do lugar de prostração, isto é, rompeu as barreiras que toda a doença impõe, inclinou-se para a senhora, e algo lhe deve ter dito, coisa que o Evangelho não refere; e tomando-a pela mão, a ponto de que, sentindo o Seu apoio, ela se levantou. Não acredito que Jesus não lhe tenha dado as boas tardes, mas já tenho a certeza que a velhinha sabia que aquele era o Mestre do seu genro e do irmão. Por isso, quando Lhe estendeu a mão, ela lhe entregou a sua (a Seu mestre…).
6. Quão belas são as mãos de Jesus! São abertas e dadas; são mansas e abençoam meninos, tocam, e alevantam e curam! Saberemos depois que também abençoam o pão e o multiplicam até saciar uma multidão inteira; e que na noite santa abençoarão e distribuirão o pão e o vinho pelos discípulos, antes que horas depois sejam arrestadas, presas e cravadas na cruz para perdão dos nossos pecados.
7. É de boa educação olhar antes para o coração que para a mão; mas neste domingo, Senhor, é para as minhas que eu quero olhar porque, durante a Segunda Grande Guerra uma igreja foi arrasada no olho do furacão; e só um crucifixo ficou de pé, quase intacto, pois que apenas perdera as mãos. Quando a igreja foi recuperada e reaberta mostraram-n’O sem mãos, «pois, disse aquele povo, Cristo não tem mãos senão as nossas para fazer a Sua obra na terra. Se não alimentarmos os famintos, nem dermos de beber a quem tem sede, nem hospedarmos os estranhos, se não visitarmos os presos, nem vestirmos os nus, quem o fará?».
Eu olho para minhas mãos, Senhor, e peço que as uses, e me tornes consciente dos que precisam de uma mão por empréstimo. Que minhas mãos se lancem para os que jazem em qualquer berma; que transmitam confiança, afecto, segurança e amor.
Faz, Senhor, que minhas mãos sejam uma fonte de bênçãos e de calor; sejam mãos que amparam, semeiam a esperança e animem a caminhar.
Ah, Senhor! E esvazia minhas mãos para que elas agarrem as redes, afeiçoem a pedra, ao início dos raios da manhã cantem os vossos louvores e, ao tombar das sombras da noite, caiam cansadas e mansas, e se cruzem sobre meu peito, em jeito de gratidão.
Frei João Costa
.carmo | nº 267 | fevereiro 4 2024