Ponto Carmo

Sobre o dia em que eu for caçado

1. Em memória da Senhora de Lurdes, o dia 11 de fevereiro é o escolhido para orarmos intensamente pelos doentes. Este dia foi instituído pelo Papa São João Paulo II, em 1992, para alertar a Igreja, as famílias, a sociedade e os profissionais de saúde para a urgência de apoiar e ajudar as pessoas doentes em suas necessidades, e para defender o acesso de todos à saúde. Também em nossos dias o Papa Francisco ergue frequentemente a sua voz contra esta sociedade que não respeita nem protege os seus doentes, por também ela estar gravemente enferma. E também considera enfermo quem não valoriza nem respeita as pessoas pelo que são (especialmente os pobres e os deficientes), quem não valoriza e respeita «os que ainda não servem» (os nascituros) ou «os que já não servem» (os idosos).

2. Quanto devemos aos doentes!
Se pequeninos, o seu sorriso e candura; se velhinhos, o muito que deram às suas famílias, aos seus patrões, à Igreja e à sociedade; mas se doentes ao meio dia, oramos em esperança para que voltem, alegres, ao nosso convívio, e completem no meio de nós as suas tarefas.
Todos nós somos portadores de sentimentos e emoções: ao longo da vida, umas vezes mais, outras menos, alegramo-nos e entristecemo-nos; amamos o conforto, tememos a insegurança; acabrunhamo-nos e revelamo-nos valorosos e empreendedores; se rejuvenecemos de esperança, também as pernas nos traem no desânimo; somos, enfim, trevas e luz, mistura de sombras e de luar fagueiro.
Aos ombros do pai éramos felizes (e não sabíamos), e ao colo da mãe, madrinha ou avó, igual. De sacola às costas e uma bola pelo chão (ou de boneca ao colo) crescemos – e a não ser em casos raros, quem por essa idade pensa na saúde? Passada seja a Primavera assaltam-nos as perguntas: Porque adoecemos? Porque é que uns sofrem mais que outros? Se Deus é pai e omnipotente, porque nos deixa sofrer? Ou é Ele vingativo, e castiga duramente os nossos desvarios e pecados? E o que talvez mais nos custe: porque existem pessoas boas e fiéis a Deus e sofrem, terrivelmente e sem esperança de cura?
Não sabemos.

3. É certo que fazemos tais perguntas; já a sua resposta nunca é consoladora, e logo a nossa sensibilidade mais se fere e magoa, pois nunca achamos resposta definitiva e convincente.  Aliás, nunca ninguém se poderá dizer livre de cair doente. Sim, um dia, ou mais ao perto, ou mais ao longe, o nosso corpo decai e trai-nos e, mesmo tendo lutado rijamente toda a vida para o não adoecer, tombamos e volvemo-nos um estorvo a necessitar de cuidados especiais. Tal é o drama que hoje mais nos assusta: queremos aproveitar o máximo, sorver tudo o que o presente tem de doce refresco, e ninguém lembra – melhor, todos preferem ignorar – que o futuro existe e já vai no ventre do hoje.

4. O fim idealizado por Deus é a nossa felicidade eterna; porém, como ele a sonha nunca é como nós, frágeis como as plantas dos telhados, a queremos.

5. Cá por mim, gostaria de ir decaindo, sem tombar de uma vez só; de ir descendo, agradecido, para o oceano, como um rio paciente, humilde, conformado; de ir sabendo distinguir a chegada do negrume da noite, mesmo que tenha de vir a lutar contra ela; de poder beijar as mãos que me lavarem e cuidarem, e de dizer obrigado a quem me visitar. E, no último suspiro, se já não puder erguê-las, quererei ter de um lado um Aarão, e um Hur, do outro, para que alçando-as em acção de graças, diga o devido «Muito obrigado» a Deus que me deu este corpo para sentir, sorrir e sonhar, rezar e louvar, chorar e agradecer.

6. Nunca caminhei só e quando caí de cama sempre me trouxeram a canja à cabeceira. É por isso que mais registo as palavras de Francisco para este Dia do Doente: «Viemos ao mundo porque alguém nos acolheu, somos feitos para o amor, somos chamados à comunhão e à fraternidade. Esta dimensão sustém-nos sobretudo no tempo da doença e da fragilidade, e é a primeira terapia que todos, juntos, devemos adotar para curar as doenças da sociedade em que vivemos».

Frei João Costa
.carmo | nº 268 | fevereiro 11 2024