1. Sempre estamos a caminho – tal é a perspectiva da fé cristã. Este caminho tem, porém, diferentes modulações. De facto, não é igual estarmos a caminho do Natal ou a caminho da Páscoa. E não é igual porque a meta-mistério não é igual.
Por agora, estamos a caminho da Páscoa. Tal caminho preparou-o Jesus cuidadosamente e até alargou o convite aos seus discípulos: «Vamos para Jerusalém» (Mateus 20:18). Ora, se Ele manda ir, nós iremos. A nós convém-nos ir, ir juntos, ir com Ele, não caminhar sós, e levar connosco os outros discípulos, nossos irmãos e irmãs.
Este é já o quinto dia de Quaresma, mas para muitos católicos é apenas o primeiro desta caminhada. Vamos, por isso, sem demora para o caminho rumo à Páscoa.
2. Uma coisa esteja clara desde o início: qual seja o centro da nossa fé. E ele não é nem a manjedoira do Natal, nem o túmulo de Sexta-feira Santa, mas o túmulo achado aberto e vazio no primeiro dia da semana, o domingo de Páscoa!
Por isso, entrar na caminhada da Quaresma é realizar a caminhada mais nova, a mais surpreendente e a mais inesperada: a celebração da ressurreição de Jesus – algo que a história nunca antes registara e a que só se acede pela fé.
Ainda hoje a Ressurreição é um acontecimento tão novo no calendário e tão inatingível pela racionalidade, que continua a ser tão difícil de assumir – já nem diremos de compreender.
Como atrás dizia, o mistério central da nossa fé não é o Nascimento de Deus humanado – e como isso é inaudito; nem é a morte de Jesus – acontecimento igualmente inaudito. De facto, existam os deuses que existirem, nenhum nasceu para sofrer e morrer, menos ainda pelos demais, como o nosso! E também não faltam narrativas de mortes de deuses, embora só a do Filho – Jesus Cristo – tenha sido oblativa, isto é, por Si oferecida, não em Seu favor, mas em favor e para resgate daqueles que, sem méritos, como nós, como todos nós, haveriam de nascer para a vida eterna.
3. São Paulo ensinava isso muito bem; isto é: desde o início da nossa fé, nós, cristãos, sabemos bem que o centro da nossa vida é a Ressurreição. É por ela que vivemos, por ela caminhamos e nos salvamos; é nela que cremos, ela é a rocha que nos funda e sustenta – sim, se Cristo não ressuscitou tudo o demais é falso e nada vale.
É por isso que todos os anos celebramos a Páscoa: porque ela é o centro imperdível da nossa fé.
É por isso que, em cada Quaresma, corajosos, nos pomos obrigatoriamente a caminho da vitória da Páscoa. Caminhemos, pois, corajosos e conscientes destas verdades tão valiosas, e não chegaremos lá de qualquer maneira. Caminhemos, que isso significa que teremos de nos preparar. Aliás, desde (quase) o princípio da nossa fé nós, cristãos, aprendemos que não podemos não preparar-nos para a celebração da Páscoa; e fazemo-lo de duas maneiras: dando maior prioridade à oração e intensificando o jejum.
4. Estes quarenta dias de oração intensa e de jejum voluntário começam com a imposição das cinzas, na quarta-feira seguinte à folia do Carnaval. Por ser dia laboral, poucos são, entre nós, os católicos que recebem as cinzas em suas frontes, para significar diante de todos que se reconhecem como frágeis, pecadores e de vida fugidia e breve. Pedir, pois, a um sacerdote que coloque cinzas na nossa cabeça tem um significado: saber-se pecador, logo necessitado de penitência em busca de firmeza na mudança.
(É certo que este ano já não vamos a tempo de receber as cinzas em nossas cabeças, mas quase nada se perde na nossa caminhada quaresmal que teremos de fazer rumo à Semana Santa.)
Devemos ainda recordar que este feliz caminhar quaresmal não serve jamais para recriminar ou humilhar alguém, antes (serve) de exame pessoal sobre o nosso mau proceder; de facto, não interessa relevar erros e pecados, mas apenas reconhecer quão incapazes somos de nos salvar a nós próprios, razão pela qual precisamos de reconciliar-nos com Deus, regressando ao redil da Aliança, pelo caminho onde Ele nos espera com um abraço cheio de alegria.
5. A repetição cansa, sabemo-lo bem. Volver de novo a um ciclo espiritual já muitas vezes trilhado pode desvalorizar a urgência de renovação que esta caminhada supõe e exige. Deveríamos, porém, ter em conta que a Quaresma, se verdadeiramente bem vivida, não pode ser percorrida despreocupadamente e à ligeira. Se o que está em causa é afinar o nosso coração pelo de Deus, estes quarenta dias não podem ser despreocupados, como se fora igual para a saúde andarmos sempre em comezainas ou fazermos uma alimentação frugal e, a seu tempo, algum exercício.
Lembremos ainda que, antes de iniciar o anúncio da Boa Nova, Jesus foi para o deserto e ali passou quarenta dias de jejum. É nesses quarenta dias que se fundam os quarenta dias das nossas quaresmas. De facto, se Jesus, que era Deus, sentiu necessidade de jejuar, será que nós, sendo pecadores, não teremos necessidade, ao menos uma vez ao ano, de mergulhar profundamente na oração e no jejum? Por nossa parte, o objectivo é que diminuamos nós para que Deus mais cresça em nós. E é para que Deus mais cresça que nos motivamos a orar mais e a fazer mais exercícios de sacrifício de jejum e abstinência.
6. Mas como poderemos pôr, hoje, em prática o jejum e a abstinência?
O jejum apenas abrange a quarta-feira de Cinzas e a sexta-feira Santa, e apenas obriga as pessoas maiores de 18 anos e menores de 60. Para jejuar devemos fazer apenas uma refeição ou, em troca, duas pequenas refeições que não excedam o valor de uma, e que nos permita sentir fome; e o valor da poupança deve ser oferecido aos pobres. Ora, se é importante sentir fome, é igualmente importante que pelo jejum nos unamos mais a Deus.
As demais sextas-feiras da Quaresma são de abstinência de carne, e obrigam as pessoas maiores de 14 anos.
7. Quaresma é tempo de fervor intenso na oração enquanto diálogo com o Senhor. Devemos, por isso, aumentar os tempos e a qualidade desse diálogo, sem esquecer que isso também nos abriga a cuidar dos necessitados e abandonados, segundo as nossas circunstâncias e possibilidades.
Um caminho é sempre proposta de andamento e de mudança daqui para ali. Nada, porém, mudará com Deus, se não mudarem para melhor as nossas relações com os outros! Pensa nisso.
Preparados? Partir…
Frei João Costa
.carmo | nº 269 | fevereiro 18 2023