1. O Evangelho deste Domingo Quinto da Quaresma (João 12:20-33) põe-nos diante de um desejo: por aqueles dias, querendo uns gregos encontrar-se Jesus, procuraram o apóstolo Filipe e disseram-lhe: «Nós queríamos ver Jesus!». Filipe buscou André e, ambos, talvez porque os mais próximos àqueles, encaminharam aqueles pagãos para Jesus. Jesus recebeu-os e fez-lhes um discurso em que lhes falou da «Hora» da sua glorificação (não triunfante) e da sua manifestação ao mundo, pela elevação na Cruz!
Nada daquele discurso era humanamente espetacular, tudo se antecipava terrível.
2. De facto, não me parece que aqueles gregos tenham apreciado as palavras que Jesus lhes dirigiu. (Mas o facto é que elas são também para hoje; como se Jesus nos falasse a cada um de nós!…) Eram, porém, as que Ele tinha para lhes dizer; para nos dizer. E dizendo disse as que anunciavam a sua derrota demonstrada na sua morte à mão dos inimigos, e depois o seu sepultamento (por um temeroso punhado de próximos e amigos). Apesar de inesperadamente duras, porventura, nada acolhedoras, e até manifestamente incompreensíveis, elas antecipam o seu triunfo fecundo, a sua vida gloriosa – a ressurreição.
(Que coisa inaudita!)
Com clareza meridiana, Jesus anunciou-lhes – e quem, grego ou não, àquela hora o poderia compreender! – que ia dar a vida e que o faria por amor; que ninguém lha roubaria; antes, a daria – Ele, o único que pode dispor da vida para a dar!; que não daria apenas umas horas de voluntariado, umas carícias passageiras, umas palavras mansas ou umas horas de oração, mas que, sim, que se daria totalmente, que depois o seu coração se calaria de vez, e que sim, volveu, que depois falaria palavras novas e ardentes, porque daria a vida para a retomar como fermento de humanidade nova, como prova da vitória da vida sobre o egoísmo, sobre qualquer maldade, sobre a noite – porque a vida que vale é a que se perde por ter sido dada!
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3. Aproximamo-nos a passos largos da celebração da Páscoa deste ano: por agora, fazemos o caminho das pedras, a Quaresma, e aqui estamos, por aqui vamos, porque vamos para a Páscoa, e porque jamais a nossa vida de discípulos de Jesus pode acabar em dor, contra a parede do sofrimento, em morte, em derrota. Jamais! Senão, vejamos: depois da morte a história continua; sim, renovada, continuará para além das balizas do tempo e do espaço, porque se algo aprendemos com a decisão de Jesus de entregar a sua vida é que o amor triunfa sempre, e que vale a pena obedecer, amorosamente e sem condições, ao Pai.
O amor é o melhor que por cá temos, e é também o único timbre humano que perdura para lá dos véus do tempo e do espaço. Sim, o amor e nada mais que amor é o céu, que o céu é o amor aqui começado e ali continuado. E quanto mais o nosso amor se pareça ao de Jesus, mais amor é; e quanto mais elevado ao mais extremo absurdo, mais libertador ele é!
Decidido a morrer na cruz, Jesus demostrou que só um amor sem limites é amor, e sabor a céu. Por isso, quem quiser conhecer Jesus tem de afiar o gume do olhar que lhe permita ver esse amor que soube compreender, aceitar e pôr-se ao serviço da vontade de Deus, e depois morreu na cruz.
4. É por tudo isto que me parece que aqueles homens se viram gregos quando Jesus lhes falou de perder e de morrer como um grão de trigo, para ganhar. Quem entenderá que subir à cruz é que é ser gloriado? Não será, afinal o contrário? Se a cruz era tão ignominiosa que nem todos lá podiam ser sentenciados, quem pensaria ser nela elevado para ser celebrizado?
Prevendo, e bem, o que lhe estava para acontecer, Jesus vivia aquelas horas de coração profundamente perturbado! Como são as coisas: uns quantos querem aproveitar a oportunidade para ver a celebridade, e ela – ele, Jesus – vive horas de profunda perturbação, aparentemente sem que ninguém o saiba ou se aperceba!
(Já diz um provérbio português: Quem vê caras, não vê corações!)
5. Naquele momento, tendo oportunidade para se mostrar incomum e majestoso, Jesus diz palavras transparentes que só nos podem incomodar por causa da sua crueza; diz: «Agora a minha alma está perturbada»!
Sim, não tenhamos dúvidas que, naquele momento, falando, Jesus, da morte do grão de trigo, está, afinal, a falar da sua própria morte e enterramento do seu corpo. É que Ele bem sabia que estava às portas da morte, que ela estava a ser preparada e manipulada às escondidas pelos seus inimigos. E quereria ele morrer? Não, claro que não queria morrer, tinha até medo e pavor, e por isso vivia perturbado. E quem não viveria!
«Agora a minha alma está perturbada!» são palavras de Jesus que a mim hoje me perturbam. É que, mais uma vez, Jesus age ao contrário de nós: quantas vezes o ferrete do mal no espicaça e fere, e nós mostramos cara de heróis impassíveis, como se nada se passasse? Quantas vezes não nos assaltam as tragédias, e pomos máscara de «está tudo bem, yo», como se no nosso interior nada se passasse; como se a sua simples assunção fosse sinal de fraqueza? Não e não, Jesus não faz assim: não se mostrou tão sobrenatural e intangível, que mais parecesse que nada O afectava! Não e não; perante a iminência da morte, o Mestre sente-se mal, sente-se incompreendido, sente-se perseguido, e mostra-se perturbado. Não se esconde, não põe máscara, mostra-se límpido, sem engano, tal como é – em sofrimento, em medo e em luta interior.
Sabendo que, às ocultas, Lhe urdiam a morte, Jesus não fica indiferente – resistiu e sofreu horrivelmente, porque não queria morrer!
6. E como, pois, se poderia resolver tão terrível luta interior?
Jesus só encontrou um caminho: obedecer ao Pai! Não tratou de pensar pensamentos positivos ou de considerar como a vida poderia continuar a ser bela se tomasse outras opções; mas em concluir: Não foi, afinal, para dar a vida que Eu vim ao mundo?! Ora se foi para isto que vim, pois que se cumpra a vontade de meu Pai!
E a partir daquele momento só Lhe cabia, e só nos cabe uma coisa: Confiar que o Pai nos apoia e sustenta em nosso tão duro caminho!
Frei João Costa
.carmo | 273 | março 14 2024