Ponto Carmo

A oração é missionária

1. Celebramos neste domingo o Dia Mundial das Missões.
Cada celebração destas é um convite a (re)descobrirmos o valor e a urgência da missão a que também nós, cristãos de hoje, fomos enviados. Enfim, em cada momento da história deve ser nossa preocupação ir e ensinar e batizar, pois que os braços cruzados não são nunca assunto para nós.
Pelas missões rezemos neste domingo, particularmente e, pelo outubro fora continuemos rezando pelos missionários que vão trabalhar para longe. Mas rezemos também por nós que ficamos por aqui, pois por estas praias onde restamos urge trabalhar pelo regresso às fontes do Evangelho.

2. Segundo o último census a comunidade católica cresceu em todo o mundo, incluindo, espante-se, na velha Europa! O papel que a nós, católicos, hoje e aqui nos cabe é o de devolvermos a esperança aos corações desanimados — tal é a razão pela qual fomos incorporados na fé em Cristo.
Eis, pois, enfim, a razão pela qual trabalhamos e rezamos: para animar e fortalecer os derrotados e os desvalidos. Não, não fomos constituídos para sermos polícias de costumes ou coveiros, mas missionários de esperança entre os povos, no nosso bairro, na nossa casa, no emprego, no estádio.
Para sermos mensageiros e operários de esperança pelo mundo fora deu-nos Deus as ferramentas necessárias — isto é, dons e qualidades — para que, pondo-as em acção, sejamos semeadores de esperança, pelo que, pois, o que neste texto gostaria de recordar-me a mim mesmo é que somos homens e mulheres de oração. Porque a assumo como fonte de esperança e o primeiro passo em favor da missão.
De oração nos fala Lucas 18:1-8, a página do Evangelho de hoje, Dia Mundial das Missões. Atrevo-me, portanto, a assumir esta parábola como uma síntese dos ensinamentos desse grande orante que foi Jesus sobre a oração.
Que sentia, como vivia e rezava Jesus?
São Lucas deixou testemunhado a oração intensa e frequente de Jesus, deixando registado que rezava sempre, em todos os momentos da sua vida. Rezar era normal para Jesus, não o extraordinário. O seu coração andava em Deus, tinha-O sempre presente, envolvendo-Lhe o coração e diante do olhar — ah, como eu gosto de pessoas que olham olhos nos olhos o pai! E o Pai! Como falam e os escutam, como os veem presentes em todas as coisas e como isso os faz felizes e os ajuda a dizer-lhes obrigado!
Ora, se Jesus vivia olhos nos olhos com o Pai e em sintonia de coração; se para Ele o Pai estava sempre conSigo, porque não confiamos nós que Deus está do nosso lado? Porque não Lhe falamos como os amigos falam entre si? Em inteira confiança?

3. Sim, Jesus confiava mesmo na oração, na conversa fiada com o Pai, mas também na força da Sua palavra e no esforço das Suas mãos. Sim, Ele orava (conversava) con-fiadamente ao Pai, mas não cruzava os braços, limitando-se a esperar. Confiava e trabalhava, com o Pai a seu lado, porque Deus nunca joga à defesa ou distante de nós. E Jesus sabia disso.
Para este contexto nos puxa o evangelho de hoje.

4. Haveremos de ter sempre presente que São Lucas escreveu o seu Evangelho cinquenta anos depois da ressurreição de Jesus, precisamente quando a comunidade cristã era perseguida, dizimada e votada ao desprezo, pelo que a preocupação do Evangelista foi a de reavivar a fé dos cristãos e dizer-lhes que o Pai de Jesus os amava e se preocupava por eles.
De facto, naquele momento de grande angústia e perseguição a maior tentação dos cristãos era a de se irem embora virando as costas à fé, porque para eles Deus não intervinha nem os protegia como pediam!
Por isso, Lucas dedica-se a chamar os cristãos à razão e a reforçar-lhes a fé sem desânimo, recordando-lhes que no caminho do seguimento de Jesus jamais Ele prometera anular-lhes o sofrimento, pelo que deviam/devemos confiar e rezar tal como Ele confiava no Pai que os/nos ama e escuta (mesmo se não nos co-responde da maneira como Lhe pedimos).
Depois disto que é tão contrário ao por nós desejado, o que haveremos nós de fazer: ir embora? Ou, combatendo todo o desânimo, resistir e ficar?

5. Sobre isto, Santo Agostinho costumava ensinar que a oração não deve ser para convencer a Deus, mas para que, arregaçando as mangas, nos mobilizemos; ou, como escreveu um poeta: dá-nos Deus o vento, para nós desfraldarmos as velas!
Não, não, a oração não é uma conversa ao telefone com Deus para que Ele reme e a nossa barquinha vença a regata, mas para que navegando na nossa traineira vá Ele connosco para a faina. De facto, não é habitual que, por si só, Deus nos dê peixe quando Lho pedimos, mas, sim, que nos dê força, inteligência e capacidade para lutarmos contra as tempestades, lançarmos as redes e pescarmos.
Martin Luther King resumia isto dizendo que Deus nos deu inteligência para pensarmos e corpo para trabalharmos pelo que, entendia ser uma traição a Deus se alcançássemos pela oração o que é para ganharmos com a inteligência e a força!
Dou-lhe razão.

6. Mas então, porque haveremos de rezar?
Sim, devíamos, devemos todos rezar todos os dias porque isso aprendemos de Jesus. Devemos rezar para fazermos como Jesus que rezava nas durezas da vida; porque andando com Jesus e fazendo como Jesus não desanimarmos tão rápido, sobretudo para não desanimarmos nos momentos difíceis porque mantemos o vínculo relacional com Deus Pai.

Nós rezamos e continuaremos a rezar, mas não para informarmos o Pai das nossas dores, nem das dores do mundo, nem das injustiças que sobre ele recaem e o arrepanham. Não, Deus não precisa duma central de informações sobre a vida dura dos seus filhos e filhas! Mas sim, nós rezamos para nos inundarmos da presença do Pai que secretamente habita o nosso coração e nos dá o Seu amor. Nós rezamos a diário para nos envolvermos e nos submergirmos na luz e na força de Deus e não deixarmos jamais de sonhar e de trabalhar por um mundo mais justo e mais fraterno — como Ele sonhou! E isso faz de nós indesistentes missionários e artesãos de esperança, porque é impossível guardarmos só para nós a chama que nos alumia e, resguardada em nosso coração, ilumina os recantos sombrios do mundo.

7. É isso que o Papa disse quando disse que a oração é o primeiro movimento missionário dum católico!

Frei João Costa
.carmo | nº 333 | outubro 18 2025