Ponto Carmo

Isto é mesmo como acaba?

1. Hoje é o último domingo do mês de outubro. Dentro de dias, bem antes do primeiro domingo de novembro, voltaremos à igreja para rezarmos juntos. Na verdade, o dia 1 de novembro – Dia de Todos os Santos – sempre convoca um grande número de cristãos na igreja. Este ano, também, pela certa. Se a um de novembro rejubilamos com a exultação dos Santos, no dia dois, rezamos confiados por todos os defuntos, cristãos, ou não.
A morte é o fim; para este mundo, entenda-se. Permita-se-me que aqui recorra à linguagem futeboleira para, encarando a morte como o fim para este mundo, (me) pergunte: isto é mesmo como acaba?

2. Quando um clube começa mal o campeonato – o campeonato é sempre uma longa série de jogos… – os treinadores, acalmam os adeptos recorrendo, para isso, a chavões que sabem todos entenderão. Dizem, por exemplo: «Vamos lá ter calma, que isto não é como começa, mas como acaba!». E às vezes é verdade…
Talvez no futebol seja verdade; mas, e na vida? Será que ao terminar-se a marcha de cada um sobre a terra, tudo fica como acaba? Será que para a nota final do curso só conta o jogo final e não os dias passados e o que mais se passará? Que perguntou eu senão, para o cômputo final contam só as vésperas, ou também as demais horas da jornada?

3. Óbvio é que existe vida eterna.
Para muitos tal obviedade não é assim tão evidente. Porém, para mim, é. E também me é claro que tudo isto que vivemos aqui em baixo é muito pouco, muito redutor, muito seco e curto se for só isto que nos seja dado viver. É uma sombra sem luz. Claro que eu confio nas palavras de Jesus: «Vou preparar-vos um lugar [na casa de meu Pai]». Claro que sinto em mim uma ardente palpitação que me faz sentir ou dizer, não sei bem, que tem de existir algo mais, um «algo mais» que não obedeça nem à linha do tempo nem à linha do espaço. Um «algo mais» cuja inexistência eu não consigo imaginar por dessa forma não poder entender-me; porque se não existe, por exemplo, que sentido darei à morte? E se existe – e existe –, então, o melhor é estar-se preparado para viver doutra maneira que não esta, antes que o fim chegue.
É certo que não sei dizer como é, ou será, o lado desse lado a que chamo «algo mais»; é, certamente, efusiva comunhão (fraterna) em Deus.  Dizendo isso, tal é provavelmente muito, e é declaradamente muito pouco; tão pouco que do lado de lá nada sei, ninguém algo sabe, e julgar saber é ousadia ou sonho que fica muito aquém, e nos deixa com fome de mais dizer.

4. Entre nós, estes dias que são de folha a cair têm sido abençoados com chuva abundante. Impossível, também por isso, não pensar que o céu connosco chora quando nós, em aproximação ao Dia de Finados, mais choramos de saudade. Que nestes dias connosco a natureza chora, não duvido; e até muito nos inclina o coração, repuxando-nos as memórias e a saudade dos que de nós já se foram. Aliás, e como não recordá-los? E recordando-os, impossível não lembrar que um dia nós!

5. É verdade que com São Paulo acreditamos que «onde abunda o pecado superabunda a graça», embora para que a graça actue e eu me salve, devo reconhecer-me pecador, e assim entreabrir a porta a graça e reentrar de novo na comunhão com Deus. E é também verdade que todo o pecado, mesmo o confessado e perdoado pelo sacerdote no sacramento, tem de ser purificado da sua pena temporal.

6. Volto, por isso, de novo à pergunta inicial: Isto é mesmo como acaba? É; com um senão: mesmo que morrêssemos depois da mais bela e perfeita confissão, não iríamos logo para o céu, porque urgiria purificar a pena temporal devida até aos pecados veniais de ao longo de toda a nossa vida (mas isso tem de ser assunto para outra reflexão).

7. Estes dias primeiros de novembro (e todo o mês) são dias de afirmar a certeza da misericórdia divina. Eles nos convidam a trazer os nossos defuntos, de forma mais viva, para o seio do nosso coração agradecido, para o calor da nossa memória, e a doce afeto do nosso convívio.
É certo que choramos os que nos morrem; e nem imagino que possa ser de outra maneira. Choremo-los, sim, mas não como se nos fossem roubados, antes transformados. Não os vemos ou tocamos, é certo, mas um dia o Senhor ressuscitado, vivente no meio de nós, nos mostrará como nos abraçaremos todos, no coração do Deus vivo, numa bela e profunda comunhão com Ele, e com os nossos irmãos e irmãs que partiram antes de nós.

8. Celebremos o Dia de Finados com a fé, a esperança e o amor que nos animam. E lembremos que nesse dia não festejamos a morte, mas a vida após a morte, e a ressurreição que Cristo nos conquistou com a sua morte e Ressurreição. A memória dos falecidos faz-nos lembrar que existe (e fazemos parte d)a Igreja triunfante, no Céu; da padecente, no Purgatório; e a militante, na terra. O Purgatório é esse estado intermédio e temporário onde o espírito humano se purifica e se torna apto ao céu.  Tudo é, portanto, como termina, mas não como termina aqui; pelo que aos que para aqui terminaram lhes devemos ainda a oração que os eleve para o céu, porque quem se encontra ali nada já por si pode fazer.

9. Pai Nosso.

Frei João Costa
.carmo | nº 213 | outubro 30 2022