Ponto Carmo

SIM, CREIO EM JESUS CRISTO, O REI AO CONTRÁRIO

Hoje é Festa de Cristo Rei; solenidade, proclama a liturgia. Hoje honramos e proclamamos a Jesus como o nosso Rei. Sim, temos rei, temos rei. Bem sabemos os trabalhos de um rei – governar o seu povo, em paz e justiça, e favorecer a prosperidade de todos, especialmente os mais pobres e pequeninos.  Assim fez Jesus Cristo! Ah, não se enganem, não: foi exatamente isso que Ele fez! Cuidou dos feridos, foi ao encontro dos pequeninos, restaurou a esperança dos desvalidos e, repartindo o pão, repartiu-se a Si mesmo como salvação. Foi assim mesmo? Foi assim mesmo, porque Ele foi um rei ao contrário.

Sim, creio, cremos em Jesus, Deus de Deus,
nascido bebé na plenitude dos tempos
do seio virgem da Virgem de Nazaré.
Nasceu menino, cresceu menino,
e aprendeu de uma mãe como as nossas mães
e de um pai como todos os pais.

Sim, creio, cremos em Jesus, Deus de Deus,
filho de mãe de avental e pai de mãos com calos,
menino pobre que sabia varrer o chão térreo,
juntar as fitas da madeira num cesto
e fazer uma fogueira para aquecer o caldo.
Menino de olhos de sonho, nariz com ranho,
mãos ágeis para caçar grilos, pernas ligeiras
para voar sobre ribeiras.

Sim, creio, cremos em Jesus, Deus de Deus,
e menino como os demais meninos;
como todos alunos, adolescentes e jovens,
teve crises e dúvidas diante dos caminhos,
embora atento aos ventos que impelem bem
a quem sabe dever andar sob o olhar
do Pai das Bondades.

Sim, sim, creio, cremos em Jesus, Deus de Deus,
que aprendeu a rezar ficando a olhar para José,
a fim de aprender como é.
Que aprendeu a ouvir ouvindo a mãe falar
de um anjo que se achegou a voar baixinho,
levezinho, devagarinho, mansinho.
Creio nesse menino que aprendeu
a ouvir o Rabi Barbas Brancas
a explicar, qual Abraão, o nascimento da nação,
e como a Palavra se faz ouvir desde a Criação
até à sua consumação no coração do Pai.
Creio, sim, nesse menino que com doçura
e premura sabia escuitar os mais velhos.

Sim, creio, cremos em Jesus, Deus de Deus,
hino de alegria para a Virgem Maria,
canção de ninar para bebés de qualquer cor,
trova de encantar para José, pai dos mártires,
para os anjos anunciadores da luz nova,
para os pastores que dormiam entre ovelhas,
e os que dormem ao relento nas praças,
nos bancos das estações, nas portas dos teatros
e nas soleiras da finança.
Sim, creio nessa criança, creio nessa criança.

Sim, sim, creio em Jesus, Deus de Deus,
creio nesse menino-canção de esperança
para um povo de desérdimos
para as vítimas das más decisões
tomadas em salões cheios de profissionais
de gráficos em V, em M, e em L,
de folhas de Excel e outras más explicações,
com palavras bem complicadas
que de tão cegas na explicação não veem nada,
não veem feridas, nem barrigas d’água,
não veem não, meninos comendo lixo,
não veem não, meninos pisados como lixo.
Não veem, não veem não, e governam isto?

Sim, sim, creio em Jesus Cristo, Rei dos reis.
Apenas creio num rei se tem coração de menino,
de quem não se tenha medo
ao ter de se atravessar o mar para chegar
a uma nova Terra da Promessa.

Creio num Jesus presente no coração
daqueles que fogem da fome e da perseguição,
dos que são recebidos como oposição
aos ideais de paz e conforto da gente instalada e rica.

Creio num Jesus que ama o pobre
e abraça o triste sem amanhã para cantar,
o emigrante abandonado numa pateira furada,
a mulher avilanada,
os jovens a quem não se passa nada,
os cidadãos a quem escondem os direitos.

Creio num Jesus Cristo-sorriso-presente e dom
para os crentes perseguidos por crerem,
para os que lutam por serem um mundo novo,
pelos que trazem luz e paz nos olhos,
bênção nos lábios aos molhos e afago no coração.

Creio, creio, sim, creio. Creio em Jesus Cristo Rei,
cuspido, rasgado e maltratado.
Creio num homem que podia convocar
mil legiões de anjos e recusou.
Creio num Deus que morreu como homem
abandonado.
Creio apenas num Deus que soube derramar-se
no coração de todo o homem e mulher
que O quiser.

Sim, sim, creio, creio,
cremos em Jesus, Deus de Deus, Luz da Luz,
portador da salvação sem fronteiras.
Creio em Jesus,
Creio no filho de Maria e José,
que andou e trabalhou entre nós como um justo:
subiu à cruz,
e desceu aos infernos para nos salvar,
só para nos conjugar
o verbo amar.

Frei João Costa
.carmo | nº 216 | novembro 26 2022