Ponto Carmo

Tudo o que esperamos já o temos

1. João, filho de Zacarias e de Isabel, prima da Virgem Maria, tem o sobrenome de Baptista — o que fazia batismos — é a personagem central do evangelho deste domingo II do Advento. É ele quem, por volta dos trinta anos de Jesus, aparece no deserto proclamando a proximidade da vinda do Reino de Deus; é ele quem, perante tal advento, nos convida a todos a recebermos um baptismo de perdão dos pecados.
Desde o seu nascimento tudo aponta para Jesus: ainda no seio de sua mãe, ele saltou de alegria, quando a sua mãe se encontrou com a Mãe de Jesus; e foi ele quem mostrou o Messias já presente no meio do povo.

2. João Baptista deve ter sido uma figura impactante, uma personagem difícil de esquecer. A verdade é que, por mais que fosse furtivo, longínquo e de língua afiada, todos o queriam ver. Afinal, era tão carismático e tão conhecido que não precisava de ser apresentado, nem urgia que se escrevesse a sua genealogia, como costumava passar-se com as grandes figuras bíblicas.
É ele o último dos profetas do Antigo Testamento e a primeira figura do Novo. No Evangelho de São Mateus – 3:1-12, o que lemos este domingo – o Baptista aparece sem pré-aviso e leva um tratamento que nem a Jesus foi dado: de chofre é-nos narrada, detalhadamente, a sua indumentária: «tinha uma veste feita de pêlos de camelo e um cinto de cabedal à volta dos rins». Um homem assim vestido, e vivendo no deserto, rodeado de nada e de bichos selvagens, claro que impactava! Pudera!
E também eram bem sabido o que comesse e que, só para que conste, era bem diferente da dieta de Jesus a quem chamavam bêbado e comilão, por tanto gostar de festas onde se comia e bebia bem! Ao contrário, alimentava-se de gafanhotos e de mel silvestre, que não era grande menu, por muito que ambos agora sejam considerados gourmet.

3. Que grande e impactante figura deve ter sido João! E é que de Jesus nem sabemos que vestia; bem, enfim, vestia uma túnica sem costura, tecida pela mãe, mas como fora tal túnica não sabemos; tal como não sabemos a sua dieta ou comida preferida. Comeria de tudo que lhe dispusessem na mesa, que todo o trabalhador merece o seu sustento, e deve, portanto, comer do que em cada casa a que for ter lhe servirem. Era o que Ele achava que deveria ser e assim ensinava aos discípulos…
João é-nos ainda apresentado como homem de ânsias, aquele que, por opção, para melhor ouvir, fugira da poluição para o deserto.  A sua opção era só uma: vida solitária e vida de ascese, porque o que ele mais carecia era de uma – tão-só de uma – palavra de Deus. Isso sim, isso, de Deus, João aguardava, para descortinar a sua missão.
Que grande e corajoso homem foi João! Como na rua não se ouve bem – tal como nem nas praças, nem nos mercados –, e os palácios são mais propícios a comezainas, pantominas  e farsas, que à escuta, ele preferiu ir para o deserto. Ali, só, e só ali, bem ele se deliciava com a companhia dos lobos e dos leões, das cobras e dos ursos, do vento, do frio e do calor.  Ali, se alguém falasse, ele ouviria. Se se ouvisse a voz de Deus, ele saberia escuitá-la. E aguardava. No silêncio do deserto.

4. João Baptista sabia bem, tal como de outro modo o disse um outro profeta de nome João, nascido dezasseis séculos depois, que «uma só Palavra falou Deus, e di-la sempre em eterno silêncio, e em silêncio há-de ser escutada» (São João da Cruz).  Assim era João, o escuitador: calmo, paciente e em guarda para ouvir. E é isso que ele hoje nos ensina: a escuta exige tempo, disponibilidade, paciência, treino, vigilância; e que para se ouvir a voz de Deus é necessário muito mais tempo, muito mais disponibilidade, paciência, treino e vigilância que para ouvir humanos. Afinal, Deus, o senhor do tempo, tem outo jeito, um jeito diferente, de vir falar connosco, um abecedário e uma linguagem que exigem tempo de qualidade para serem aprendidos e para a eles nos afeiçoarmos.

5. Atentemos nisto: o tempo de João e o nosso são muito diferentes, e não apenas nas roupas, também na qualidade e no modo de viver as expectativas e o tempo. O nosso é de bulício, de sofreguidão e intrepidez, o de João, é o da serenidade, da contemplação e do silêncio; o nosso é incansável e agitado, o dele, ponderado e disponível.
João tinha tempo; e tempo é coisa que nós não temos (e pior ainda, somos nós que no-lo roubamos a nós próprios…). Por isso, ele escutou e nós não. Ouviu a Deus e nós não. Por isso, ele é profeta e nós não; e se apercebeu que o seu tempo era o da proximidade do Messias, e nós não sabemos esperar, nem o pequenino nem o grande, nem o Único que vem, de propósito, para nos salvar!

6. Ser-se profeta exige tempo, foco, esforço, serenidade, perseverança e disponibilidade para ouvir e acolher a palavra de Quem vem para nós porque O sabemos esperar.
João assim fez: esperou até ouvir ressoar no tambor do seu coração o tam-tam, tam-tam, tam-tamque anunciou a chegada do Messias desejado.

7. Neste domingo, ficar-me-ei pelo meu magro deserto. Não quero ouvir futebol, nem política, nem palavreado algum. Não ouvirei canções de Natal, religiosas ou profanas, nem quaisquer outras palavras gastas. Não, não ouvirei. Sereno, vou, como João, pôr-me à escuta Daquele que já mora em mim e, desde dentro, aguarda que eu acorde para me falar!

Frei João Costa
.carmo | nº 218 | dezembro 04 2022