Ponto Carmo

Andar de Reis

1. Dia seis, dia de reis.
O que é verdade na cultura popular religiosa não o é sempre na liturgia católica, visto que na Igreja o Dia de Reis, ou melhor, a Festa da Epifania a celebramos em data móvel, este ano a 8 de janeiro. Além deste desencontro de datas, outro há que aqui devemos a registar: popularmente o Dia de Reis é dia de festa, de ceia avantajada, de alguns excessos, e até de troca de prendas; já, porém, na liturgia católica o Dia de Reis, ou melhor dito, a Epifania celebra um encontro — o encontro de Cristo com aqueles que, desde muito longe, O andam buscando, e depois de muitas vicissitudes O encontram.

2. Mantenhamo-nos, pois, aqui: O Dia de Reis significa encontro. Encontro é o outro nome desta festa tão entranhável. Encontro, porque fomos perspectivados para nos encontrarmos; encontro, porque todos somos seres sós, em solidão, porque não nos bastam nem alimentam os rostos do dia a dia; porque todos andamos, mesmo sem o saber, à procura do único Rosto que acalma e sacia.
Somo todos seres divididos, de comunhão ferida, com rasgões e abismos entre nós. Somos seres em demanda, em busca, insatisfeitos, constructores de muros, quando do que mais somos precisados é de pontes que nos abram o caminho para o infinito, para a luz do Rosto de paz.

3. Porque seres divididos somos seres perdidos, pelo que a narrativa dos Magos do Oriente pode confundir-nos, isto é, pode encandilar-nos na emoção de quem apenas se deixa encantar com um conto oriental de reis, coroas, presentes, camelos, viagens, um rei mau que é Herodes, criados, escribas, sábios e estrelas…
Não, a narrativa dos Magos do Oriente não é um conto de ninar, não! Não é para nos embobar, sossegar e aconchegar; bem pelo contrário! É um alerta, uma sirene no meio da noite, uma chamada a despertar e a botar pés a caminho.
Que significado tem, pois, a narração dos Magos?
Tão simples quanto isto: significa a busca da fé e o encontro com Deus. Significa que é o encontro com Cristo que a todos salva, mesmo que a grande maioria do todos não o saiba ou não o queira reconhecer. Significa que Cristo dá a todos as ferramentas necessárias para que todos O acabemos por encontrar; ou desta maneira, ou daqueloutra.
Vamos tentar perceber melhor? Sim.

4. Talvez a coisa melhor se entenda se assumirmos que os Magos não eram reis — de facto, em lugar algum se diz que o fossem… Magos na linguagem de então significava sábios, cientistas, intelectuais, investigadores. Ou seja, quando o relato fala de Magos está a falar daqueles que, em qualquer época, naquela ou na nossa, são insatisfeitos buscadores, dos que andam à procura da verdade, dos que a perscrutam sem descanso, inclusive com risco da própria vida, dos que se poem a caminho, investindo tudo, e não descansam sem a encontrar.
Isso é o que as figuras dos Magos estão a dizer-nos neste relato: tu não descanses de procurar a verdade, mas também não a procures sozinho.
Eis no que me primeiro devemos fixar-nos: todos de todos os lugares, de todos os tempos, crentes ou não, e de todas as culturas, mas sim, isso sim, todos, todos mesmo, andamos à procura da Luz, porque a todos Cristo chama para junto do Seu coração e da verdade do Seu rosto. Cristo não exclui ninguém, e a todos oferece uma linguagem que nos encaminhe para Si, para o Seu encontro.
Claro que é isto que o relato de Mateus 2:1-12 nos quer transmitir: tu não pares, tu caminha até descobrires, até encontrares a verdade, porque também tu estás chamad@ para o verdadeiro encontro que tanto desejas!

5. Somos seres para o encontro. Com Cristo. Cristo espera-te; Cristo espera-nos. Não se te impõe, a nada te obriga ou manda, nada prende, não nos tira nada, tudo dá.

6. E é óbvio que se Ele chamou os pastores (os de perto) também chama os sábios buscadores (os de longe). E se a uns mandou anjos (pois por eles perceberiam a mensagem por eles cantada), a outros mandou uma estrela que eles haveriam de saber perceber, pela inteligência, que essa era a tal, a Estrela do Grande Rei; e que, por qual razão, se deveriam fazer ao caminho para O saudar.

7. Somos seres de encontro.
Pastores, porteiros ou doutores somos todos chamados para o encontro. Religiosos, ateus ou agnósticos somos todos chamados para o encontro. Cientistas, lavradores ou sem abrigo somos todos chamados para o encontro. Dorminhocos ou reis, meninos ou avós, a todos nos falta seguir a estrela até ao fim, ao encontro.
Seja qual seja o caminho, há um encontro.

8. O encontro é a coisa mais certa que temos; ou já aqui, neste mundo — e isso é deveras animador e consolador —, ou só no ali, do lado de lá da cortina do tempo e dos caminhos deste mundo — e tal é demasiado cansativo e desesperador.
Sim, poderemos demandar de braços abertos ou permanecer de coração cerrado. Uma coisa, porém, é certa: com espanto ou sem espanto, com esperança ou sem ela, encontro haverá. Hoje, amanhã ou além.

9. Todos nos achegaremos a Jesus. Todos chegaremos junto de Jesus. Todos. Todos. Uns, rapidamente, porque o clima e a tradição o ajude. Outros, muito a custo, porque os desafios de permeio ou são intensos ou muito atraentes e sedutores. Mas todos chegaremos junto de Jesus. Todos. Todos.  Entretanto, Jesus não foge de ninguém, não se esconde de ninguém, não recusa ninguém! Chama a todos, mas não obriga ninguém. Aos pastores chama com hinos de anjos; aos intelectuais com desafios que desafiam à inteligência; aos artistas, por meio da beleza. Todos e cada um seu modo somos chamados. A todos é dado uma luz para que O alcancemos — o Espírito Santo que alumia, anima, alegra e incentiva a caminhar.
Vens? Virás.
Quando vens?

Frei João Costa
.carmo | nº 223 | janeiro 08 2023