Escuto e amo
Escuto mas não sei
Se o que oiço é silêncio
Ou Deus
Escuto sem saber se estou ouvindo
O ressoar das planícies do vazio
Ou a consciência atenta
Que nos confins do universo
Me decifra e fita
Apenas sei que caminho como quem
É olhado amado e conhecido
E por isso em cada gesto ponho
Solenidade e risco
Sophia de Mello Breyner Andresen
“(…) Que nos confins do universo/Me decifra e fita (…)”
Por estes dias recordo o Livro dos Reis com uma história encantadora. Diz respeito ao Profeta Elias que via a sua vida em perigo. Na verdade, Elias tinha medo, andava a fugir dos seus perseguidores. Era fraco, uma fraqueza que não era física, mas que se via vergado ao peso do fardo da vida. Assim, estendeu-se debaixo de um zimbro e disse “Senhor, já basta, toma a minha vida, não sou melhor do que os meus antepassados”. De seguida, adormeceu. Quando estava a dormir, um anjo tocou-lhe e disse-lhe que se levantasse e comesse o que estava ali para ele, um pão/bolo assado numas pedras aquecidas e um jarro de água. Elias ia voltar a adormecer, mas de repente levantou-se e comeu e bebeu e, fortalecido por essa refeição, andou durante quarenta dias e quarenta noites até atingir Horeb, a montanha de Deus. Foi aí, na montanha, que sentiu a presença de Deus. Então, levantou-se uma violenta ventania, tão forte que abalou a montanha e despedaçou as rochas, mas Deus não estava no vento. Depois do vento veio um terramoto e, depois do terramoto, houve fogo, mas Deus não estava no fogo. Após o fogo veio o som de uma brisa suave. Nessa ocasião a presença de Deus foi dada a conhecer a Elias, percebendo que Deus estava ali, (nessa brisa suave). Foi aí, ante Deus, que Elias afirmou a sua decisão de dar glória a Deus e O servir com todo o seu coração.
Vezes várias, na vida de um “ouvinte”, Deus surge de uma forma dramática, inesperada, sem Se anunciar, subitamente, como uma tempestade rebentando depois de um período de calma. Em tantos outros tempos, surge como um vento forte que arranca árvores, agita o mar e açoita os barcos que o sulcam. Na verdade, foi o que aconteceu com S. Paulo, no caminho para Damasco. Com mais frequência porém, muita mais na verdade, a vinda de Deus é mais suave e, talvez, menos evidente, como uma brisa vespertina no fim de um dia sufocante.
“(…)Apenas sei que caminho como quem/É olhado amado e conhecido (…)”
Não raras vezes, sentimo-nos como o Profeta Elias, “Senhor, já basta, toma a minha vida, não sou melhor do que os meus antepassados. Por sua vez, há sempre um mensageiro de Deus, um anjo que que nos toca ao de leve: “Come e bebe. Recebe o Corpo e Sangue de Cristo na Eucaristia, pois neles hás de encontrar o alimento que te ajudará a caminhar durante quarenta dias e quarenta noites, e mais, até à montanha de Deus”.
Por estes dias, e já lá vão uns anos, encontrei na Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa do Centro Regional do Porto um desses silentes, mas tão audíveis, mensageiros de Deus, a tal brisa suave vinha, pela mão de Deus, tatuada com o nome de Francisco Maria Braguês. Durante o curso de Teologia, mais do que colegas de carteira, fomos verdadeiros ouvintes (um do outro). Duas palavras definem, até hoje, a peregrinação do Francisco – Humildade e Exemplo. Com o Francisco aprendi que a celebração dos grandes mistérios da Fé, a Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor, não são verdades para serem celebradas uma vez por ano. São, antes de tudo, verdades que devem influenciar a vida, aqui e agora. Têm de exercer o seu poder sobre nós, de modo a podermos estar melhor preparados para sermos, hoje, testemunhas de Cristo. Há pessoas com quem, de tempos a tempos, convivemos e que têm qualquer coisa de muito especial, uma bondade transparente, de tal modo que, na sua presença, nos sentimos inevitavelmente pequenos, mas que nos levam para diante e para o Alto.
O Francisco é uma montanha e está perto de Deus. A esta montanha devo a musical espiritualidade que consigo sempre transporta, (e ainda não o ouvi a tocar saxofone), o profundo sentido de serviço e missão que o definem (acompanhou com instrução o caminho da Confirmação da minha Mãe (Teresinha como lhe chama) e da minha Noiva (Filipa) e irá, com muita alegria minha, presidir à celebração do Sacramento do nosso Matrimónio (tal como sempre lhe disse, “Se me concederes esse privilégio, serás tu a presidir ao Sacramento do meu Matrimónio, após a tua ordenação”).
Com o Francisco fiz parte de trabalhos académicos de investigação, trocámos livros, experiências, história religiosa, cultura, música, filosofia e poesia… Mas, partilhámos, acima de tudo, as centelhas da vida – as pessoas, e foram muitas – Fernando Echevarría, José Tolentino de Mendonça, José Rui Teixeira, Luís Leal, Arnaldo de Pinho, José Pedro Angélico e tantos outros que nos viram e fizeram crescer em pensamento e em gesto.
Não posso esquecer aquele que para nós foi um Avô. O nosso José Cardoso Marques, expressão máxima da humildade na cultura que, na sombra, e sem necessidade de grandes obras, fez obra e ajudou a criar cultura à mais douta e culta corrente de poetas, escritores, filósofos e historiadores portugueses. Sinto que, de alguma forma, bebemos do património, herança e testemunho do nosso Avô, sempre tão alegre e tão livre de pensamento, tão feliz pelas nossas conquistas.
“(…) E por isso em cada gesto ponho/Solenidade e risco”
O Padre Leonel Oliveira (também um “Avô” meu emprestado), sempre que se despedia, dizia-me: “Coragem e Desassombro”. Pois bem, é tempo de dedicar ao Francisco estas sábias palavras, dedicando-lhe a minha oração e o meu agradecimento pelo seu melodioso e harmonioso caminho.
Dou graças a Deus por acompanhar as brisas suaves desta montanha, uma bênção na minha vida.
O Francisco é uma montanha e Deus habita nele.
“Coragem, Desassombro, Solenidade e Risco”!
Luís Branco
Chefe de cozinha
20 de fevereiro de 2023
Perscruto um murmúrio
com sabor a eternidade.
Passa a Tua presença entre o quotidiano
e tapo o rosto perante a Tua glória.
A Tua glória sussurra a ternura e a Céu.
Somos Teus e para Ti.
Abre os nossos ouvidos e os nossos corações
para acolhermos serenamente o fogo que queima e cura.
Sejamos montanhas da Tua presença,
terra sagrada onde sarças ardem e não se consomem.
Ámen.
Em os 30 Dias com Frei Francisco Maria pretende-se criar um lugar de reflexão e oração para e com o Frei Francisco Maria que, no dia 28 de janeiro de 2023, fará a sua Profissão Solene.
Cada dia, acompanhado por um rosto e um texto concretos, o Frei Francisco Maria fará a sua preparação espiritual para a sua entrega definitiva ao Senhor.
Acompanhado por tantas pessoas, rezará por cada uma e por cada um, de forma a todos incluir nesta caminhada rumo à sua consagração definitiva no Carmelo Descalço.