Ponto Carmo

Lições duma pequenina oferenda

1. Hoje, 2 de fevereiro de 2025, é o domingo IV do Tempo Comum. É domingo, páscoa semanal dos cristãos; porém, sem dela nos descentrarmos e, porque hoje se cumprem os quarenta dias do nascimento de Jesus, nós, católicos, damos primazia à celebração da festa da Apresentação do Senhor no Templo. Por essa razão, este dia tem sabor a Natal: de facto, a Lei de Moisés ordenava aos israelitas, que quarenta dias depois do nascimento de um menino primogénito, os pais devessem peregrinar ao Templo e oferecê-lo a Deus, resgatando-o, em pós isso, através duma oferta que ali deixavam. Assim sucedeu com o Menino Jesus: cumpridos os quarentas dias do Seu nascimento, seus pais, Maria e José, ali O levaram, ali O ofereceram ao Senhor, e depois dali O resgataram, entregando ao sacerdote, em Seu lugar, duas pombinhas, pois eram pobres…
(Duas pombinhas, ou duas rolinhas, tal foi o preço residual oferecido em resgate pelo Menino nascido naquela família inscrita na humilde e fiel franjinha espiritual conhecida por restinho de Israel, à qual, entre outros, pertencem também Simeão e Ana, Zacarias e Isabel; Joaquim e Ana!)

2. Volvamos o olhar do nosso coração para esta festa. E cuidemos que ela nos chama, em primeiro lugar, a centrar o olhar em Jesus, o frágil e tenro Jesus-bebé de quarenta dias, e a reconhecê-lo já como «Deus connosco»! Lembremos ainda que ela também nos chama a olharmos para outras personagens, e o tanto que nos podem ensinar. Abra-se, pois, o coração.

Menino Jesus

Levado nos braços de Sua mãe, jovenzinha e pobre, nada ali vemos que Ele faça de extraordinário. E de facto, nada faz – apenas mama e dorme; e se acaso, perrilha, denunciando algum desconforto que lhe descomponha o sono. Porém, naquele colo, algo Ele ali nos ensina. Aquele dormir sossegado do bebé Jesus nos braços da Mãe, conforta-me e ensina-me que Deus soube confiar na humanidade! Sim, Deus conhece-nos e soube achar uma menina pura que acolhesse e cuidasse de Seu Filho incarnado. Sim, sim, apesar de tudo, Deus confia em nós; e segundo a missão que tenha em cada momento, Ele sabe encontrar quem leve tal ou qual missão a bom porto. Ora, se isso sucedeu com a de trazer o Filho ao nosso mundo, tal sucederá, também com as demais que Deus tenha para cada um de nós, em cada tempo.
Bendito seja Deus que existem pobres, e em nós tanto Ele confia!
Uma coisa mais aprendo ao mirar Jesus bebé ao colo da Mãe: Ele é menino e é Deus; e, sobretudo, é desde aquele trono, Deus visitando o Seu povo! Ou seja: ao colo de uma menina-mãe em peregrinação, Deus vem visitar-nos, e visita-nos todos os dias; pois jamais nos deixa sós! Lembremos que Ele tem muitas e inesperadas maneiras de nos visitar, e uma delas foi mostrar-se-nos na carne frágil e impotente de um bebé. (É certo que, quer em bebé, quer em adulto, quase ninguém O reconheceu ou lhe abriu o coração; mas também é certo que Deus jamais nos falha e por isso nos visitou, e nos visita; nos falou, e nos fala; nos surpreendeu, e nos surpreende sempre da maneira para nós mais reconhecível: como humano!)

José e Maria

Dos passos peregrinos de José e Maria aprendemos que a Lei de Deus é para cumprir. Na sua humilde confiança, eram eles um jovem casal de judeus crentes e acreditáveis. E se alguém poderia eximir-se de cumprir a Lei eram eles, pois eram mais santos que ela – e cuido que eles o sabiam; mas não, cumpriram-na fielmente; e porque eram justos e fiéis a seu Deus, ei-los oferecendo o seu filho, Deus-Filho, a Deus-Pai!
Não raro, os pais acham-se donos dos filhos, decisores omnipotentes do seu futuro e das suas esperanças, mandantes dos seus passos e sonhos. José e Maria, não. Porque fiéis como eles só, eles são ao revés. Por isso, com a oferenda em que ofertaram Jesus ao Pai, eles ensinam-nos que a vida dos filhos se deve colocar, sem reservas, nas mãos de Deus – aliás, antes que lhes pertençam pela oferta em pós o nascimento, não pertenciam já eles a Deus?
Gerar e educar é urgência dos pais, que toda a educação é dar ferramentas aos filhos, para que eles vivam a liberdade pessoal como caminho pelo qual se descobre a viver segundo a vontade de Deus – eis toda a beleza daquele humilde gesto de José e Maria, bons sabedores de que a sua tarefa de pais era a de apresentar o seu menino a Deus, para que Jesus cumprisse inteiramente a sua vocação de Filho.

Santo Velho Simeão

O coração puro e santo deste velho permitiu-lhe ver o que outros mais ágeis e mais novos não viam: Deus presente, Deus ali como Salvador. Deus nos braços de uns jovens (e pobres) pais! Deus passando por entre o Seu povo, sem que alguém o advertisse – porque em tempo algum, quase ninguém olha para o resto, a não ser pessoas justas e piedosas, fiéis e esperançosas como Simeão, varão valente e firme, aguardando ver a Deus antes de morrer. E ei-lo que chegado ali impulsionado pelo Espírito Santo, tomou o Menino e bendisse a Deus.
E Deus passou dos braços da Mãe para os braços da velha esperança!
Deixar-se impulsionar pelo Espírito Santo é o primeiro passo da fé e o jeito mais gentil, delicado e terno para nos deixarmos encontrar com Jesus. E se é o Espírito quem nos empele, e nós nos deixamos levar pelo seu sopro, encontraremos, obrigatoriamente, a Jesus; tal como sucedeu Simeão.
Ó que Vento sagrado, feliz e audaz nos impele!
E reconhecendo e encontrando a Jesus, o segundo passo da fé conduz a tomá-l’O nos braços – tomá-l’O, como fez o Santo Velho Simeão, significa dizer que se opta por Ele, que O fazemos um com a nossa pessoa, um com o nosso coração, um com o seu sentir e a sua vontade. Ao ponto de suceder que já não sejamos nós que vivemos, seja Ele quem palpita em nós, quem em nós vive, fala, age e sente! Oh, se é importante que nos encontremos com Jesus, mesmo que Ele só durma, desprecavido e suavemente, ao colo de sua Mãe,m e sob o olhar cuidadoso e protector de São José! Porém, como mais importa saber tomá-lo nos braços e unirmo-nos a Ele! E mais: quem abraça a Jesus contra seu peito, torna-se bênção indefectível de Deus para a sua família, a sua tribo e para o mundo. Convirá, porém, lembrar que tal bênção não isenta de dor e tribulação, porque quem se une a Cristo torna-se, como Ele, pelos caminhos do mundo e até ao fim, sinal de contradição!

Profetiza Ana

Ana era viúva e tinha 84 anos – muito, muito velha, portanto; como Simeão vivia também ela da oração atenta e da espera vigilante – e como tanto ansiavam, um e outro, ver a Deus! Tanta esperança e tanta oração não foram, porém, em vão porque, em certo dia, vendo, ela como ele, um casal pobre com um menino ao colo, soube reconhecer a presença do Messias; e tal reconhecimento desabou em rio feliz de louvor a Deus!
Quem espera, por vezes desespera; e oh, se Ana não esperou! Quanto não terá ela sofrido até que pôde gozosamente bendizer a Deus! Ana – mulher dotada tão-só de um fiozinho de voz – soube esperar, e esperar, e esperar, até ver a Deus; soube rezar confiadamente, servindo discretamente a Deus, com o fiozinho de prata da sua fiel esperança!
Um coração, uma família ou uma sociedade não se mudam da noite para o dia – Ana sabia-o bem; por isso, esperava e rezava com perseverança e amor pela chegada do Messias.
Esperava, reza e confiava porque – sabia-o ela – Deus não falha! Pode tardar, mas não falha à esperança que dele se haja!

3. Perseverar não é verbo actual; está gasto e caiu em desuso. Até entre nós a esperança está em falência, pois tudo se quer ou no já ou no ontem. Ao revés, em sua fé, Ana ensina-nos que, mesmo na rotina, a perseverança é uma profecia de esperança.
Sim, a demora, o depois da hora e o tempo de compensação também são tempo de Deus.
Uma coisa aprendemos hoje com esta mulher tão velha como a esperança da Humanidade: vale bem a pena perseverar na esperança, pois chegará o dia em que a espera desabrochará em louvor a Deus.

Frei João Costa
.carmo | nº 308 | fevereiro 02, 2025