À terceira vez, Jesus pergunta a Pedro se ele é Seu amigo. E Pedro, de facto, dará provas da sua amizade com Jesus ao deixar-se crucificar de cabeça para baixo em Roma. O martírio foi o género de morte com que Pedro haveria de dar glória a Deus como predisse Jesus. Pois ninguém ama mais os seus amigos do que aquele que dá a vida por eles, como nos ensina o Evangelho.
E é justamente esse aspeto do sofrimento por amor, da entrega abnegada e até do martírio (se assim Deus o sonhar para nós), que caracteriza a verdadeira amizade com Cristo nos escritos de São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus.
Escreve São João da Cruz: «Jesus Cristo é muito pouco conhecido pelos que se julgam seus amigos, pois que os vemos procurar n´Ele não as Suas amarguras, mas a sua própria consolação» (Ditos de Amor e Luz). E noutro lugar: «Vale mais sofrer por Deus do que fazer milagres» (Cântico de Amor).
E relativamente às manifestações da amizade de Jesus na nossa vida, elucida-nos Santa Teresa: «Sempre temos visto que aqueles que mais de perto acompanhavam a Cristo Nosso Senhor, foram os que tiveram maiores trabalhos; vejamos os que passou a Sua gloriosa Mãe e os gloriosos apóstolos» (Moradas).
Amar Jesus significa assemelhar-se ao Crucificado, pois os que se amam visam tornar-se um só. Assim como os casais visam tornar-se uma só carne. Mas embora a nossa natureza humana debilitada pelo pecado original seja muito avessa ao sofrimento e considere-o insuportável, isso não nos deve atemorizar e impedir de sermos amigos de Cristo, pois Jesus diz explicitamente no Evangelho que Ele nunca rejeita aqueles que o Pai Lhe enviou e que é Sua vontade ressuscita-los no último dia.
Portanto, Jesus deseja muito a nossa aproximação e como tal, Ele tem em consideração todas as nossas fraquezas e receios. Precisamos, portanto, de ter consciência de que Ele jamais nos dará fardos maiores do que aqueles que somos capazes de suportar. Jesus não é temível. Pelo contrário, Jesus é docinho, é meigo e é divertido. E qualquer pessoa que O for visitar ao Sacrário de coração verdadeiramente aberto para dialogar com Ele, ou manter-se amorosamente sob a Sua presença real na Hóstia Consagrada, perceberá isso. Jesus tem um excesso de amor e de misericórdia que quer derramar sobre nós. Acaso já nos esquecemos da mensagem do Anjo de Portugal aos três pastorinhos? «Os corações santíssimos de Jesus e de Maria têm sobre vós desígnios de Misericórdia». Esse amor é real e atemporal. Deus não nos ama «se», mas nos ama «apesar de». Deus não nos ama se formos santos, Deus nos ama apesar de sermos pecadores. Não é isso que rezamos todos os dias na Ave-Maria? «Rogai por nós pecadores». Quando? «Agora». «Agora e na hora da nossa morte, amém». Agora é o tempo de Deus, agora. Qualquer que seja o nosso agora. Jesus é e quer ser nosso amigo, ainda que sejamos os maiores pecadores e andemos distantes. Ele quer encontrar-se connosco dentro do nosso coração em oração genuína e fluida. Pois para Santa Teresa oração é amizade, é diálogo, é chorar, rir e desabafar, é escutar e ser ensinado em silêncio. Oração é encontro: «Orar é tratar de amizade com quem sabemos que nos ama».
Mas ainda relativamente ao sofrimento: o sofrimento dos amigos de Cristo não é um sofrimento sem sentido, mas provocado pelo zelo da alma apaixonada que não consegue não sofrer enquanto não vir as almas no caminho de Deus e da salvação. É o sofrimento da santa preocupação, de quem vive com o coração nas mãos. Não é um sofrimento que esmaga, mas que impulsiona, é um trampolim que leva a alma à missão apostólica, como sucedeu com São Paulo que se viu metido em tantas canseiras, perseguições, riscos e trabalhos para salvar almas onde quer que ele fosse. «Ai de mim se eu não pregasse», suspira a alma imparável devido aos contínuos movimentos do Espírito Santo.
Mas essa capacidade de padecer é proporcional ao amor com que Deus nos vai preenchendo e capacitando, pelo que é gradual e equilibrado, diríamos. E, assim sendo, embora os sofrimentos muitas das vezes sejam imprevisíveis e inesperados, eles adquirem uma certa tonalidade de consentimento prévio, pois sabemos que a jornada cristã passa inevitavelmente pelo calvário e pela cruz. Mas não é assim mesmo o amor? Uma mãe quando quer ter um filho, sabe antecipadamente que terá noites mal dormidas, birras, doenças e estados de emergência; e mesmo assim está disposta, pois o amor tudo supera.
E com isto, recordamos o convite de Nossa Senhora em Fátima aos três pastorinhos: «Quereis oferecer-vos a Deus para suportar todos os sofrimentos que Ele quiser enviar-vos, em ato de reparação pelos pecados com que Ele mesmo é ofendido e de súplica pela conversão dos pecadores? Ides, pois, ter muito que sofrer, mas a Graça de Deus será o vosso conforto».
Ou seja, sofrer com Cristo e por Cristo é um ato heroico, é a nossa escola de Santificação. Pedro foi um homem pecador, falho e amedrontado, mas trilhou esse caminho de santidade. E porquê? Porque amou Jesus, porque foi Seu amigo, porque permitiu-se ser preenchido e transformado por esse amor e amizade que o tornaram heroico.
Jesus deu-Se completamente a Pedro e Pedro deu-se completamente a Jesus, fundindo-se num só. Pois juntos, somos sempre mais fortes.
E como disse o Profeta Isaías: «Os que esperam no Senhor renovam as suas forças, criam asas como águias, correm e não se cansam, podem andar que não se fatigam».
E para fundirmos a nossa alma com a de Jesus, dando-nos completamente a Ele a ponto de nos tornarmos um só transformados e divinizados n´Ele, a ponto de sermos capazes de atravessarmos todos os sofrimentos correndo e sem nos cansarmos, como se pairássemos com asas, é preciso ir ao encontro de Jesus justamente onde Ele mais de dá a nós completamente como se deu a Pedro.
E esse lugar é a Eucaristia. A Eucaristia deve ser para nós um caminho incontornável. A Eucaristia deve ser o nosso refúgio e posto de abastecimento, para que nos possamos alimentar devidamente do próprio Amor em pessoa (sob a forma do pão consagrado), para que só assim possamos dar conta da caminhada. Essa deve ser a nossa força, a nossa vitamina, o nosso energético, enfim, o nosso oxigénio puro. Pois quando sentirmos que o nível da água nos quer ultrapassar o pescoço, possamos não ter medo de mergulhar e atravessar a escuridão, pois teremos Deus dentro de nós a pulsar o nosso sangue cardíaco.
Tenhamos a coragem de assumir que há um corpo que nos carrega, um corpo vivo, como nos ensina a pediatra católica Drª Filó, pois não é o corpo de alguém morto, mas de alguém ressuscitado. É Jesus vivíssimo. E sempre pronto para nos comunicar no silêncio do lado de lá do Sacrário: Coragem, eu amo-te; não te criei para olhares para o chão abatido, mas para levantares a cabeça alegre e confiante. És filho do Altíssimo Deus Vivo, tens dignidade, portanto, não te quero ver a chorar como um derrotado, mas a lutar vitoriosamente, pois contigo nós já vencemos, que essas lágrimas sejam de alguém que se sabe profundamente amado.
Sejamos amigos de Jesus em qualquer parte do mundo, mas principalmente na Eucaristia e no Sacrário, pois como nos ensina Santa Teresinha do menino Jesus: «Os que se amam precisam de solidão».
O amor acarreta sofrimento, sim, mas acarreta também muita alegria, muita paz e muito descanso, pois caminhamos na confiança. E, portanto, gostaria de terminar esta reflexão com alguns versos da Poesia de Santa Teresa de Jesus que nos ensinam justamente em que consiste também a amizade com Jesus: deixar-se guiar pela vontade do Amigo.
Dai-me morte, dai-me vida,
Saúde ou enfermidade,
Honra ou desonra me dai,
Dai-me guerra ou paz crescida,
Fraqueza ou força cumprida,
Que a tudo digo que sim:
Que mandais fazer de mim?
Dai-me riqueza ou pobreza,
Dai-me consolo ou aflição,
Dai-me alegria ou tristeza,
Dai-me inferno ou dai-me o céu,
Doce vida, sol sem véu,
Pois já toda me rendi.
Que quereis fazer de mim?
Se quereis, dai-me oração,
Se não, dai-me frialdade,
Se abundância e devoção,
E se não esterilidade.
Soberana majestade,
Só encontro paz aqui.
Que mandais fazer de mim?
José Alexandre
Domingo III da Páscoa