Ponto Carmo

Luminoso regresso a Beftagé

– Pai! Pai! Meu pai!…
– Meu filho, Yosef! Meu filho!
Meu filho pequenino, meu doce Abel,
que há uma semana te cuido perdido!
Jahvé – louvado seja Ele – te resguardou!
Meu filho, que para sempre perdido te julguei!
Teus irmãos te rebuscam p’la Cidade do Messias!
E se acaso não regressam
é porque por lá não te encontram!
Onde te meteste tu, meu filho?
Que te sucedeu, meu querido menino?

– Pai, abre-me teus braços santos,
abre-me teus braços, e abraça-me, pai,
por favor, pois sem ti me senti tão perdido!
E quem ao caminho deles me achegou
foi este manso burriquinho
que tem não sei quê de divino,
pois em todo o tempo me amparou!
– Ai, filho, esse burrico que trazes e te trouxe
é de nosso primo Eliézer!
Vamos, descansa, liberta o animal
no nosso beiral
que, pronto, ao dono, o haveremos de devolver.
– Não, pai, deixa-me ficar com ele!
Somos co-irmãos,
que este foi o burrinho do Salvador!
– Vamos, descansa, filho!
Vai agora pra dentro consolar tua mãe, Lia,
que noite e dia chora e nada come,
por te julgar para sempre perdido!
Prestes Jahvé nos devolverá teus irmãos,
ou assim teu velho pai espera e crê,
que a nenhum de vós quero perder!

– Sim, sim, minha mãe, pronto, irei consolar,
mas agora, junto de ti, meu pai, quero ficar.
– Queres então, em meus braços adormecer?
– Não, meu pai, não quero, que grande já eu sou!
Teu filho, sim, eu sou, mas não mais menino!
É que eu vi o que nenhum homem deveria ver:
a morte de seu Mestre, seu Deus e Salvador!

– Conta-me, pois, meu filho querido,
o que visto tu?
Porque te não adormece a alma?
– Vi a Deus com meus olhos
montando um burrico de paz, vi-O caminhando
e tomando por discípulo um rapaz!
Vi-O chorando ao ver a Cidade Santa
que O não soube merecer!
– Ai, meu filho, estou a ver!
Definitivamente tu és um eleito do Altíssimo,
a quem foi dado ver o que nenhum século viu!
– Seja, meu querido pai!
Eu vi o Mestre a ensinar as multidões;
vi o Profeta a expulsar os vendilhões!
Vi o Messias, sozinho, a rezar no Monte
e a purificar o Templo com o Seu exemplo!
Vi-o quase caçado em ciladas e discussões,
e vi nossos chefes calados e perturbados
sem conseguir responder às suas razões!

– Tudo isso viste, meu filho?
– Tudo isso vi, meu pai!
– E como tanta certeza tens?
– Tudo vi claramente visto!
Vi, perto da Hora, que Ele me tomou pela mão
e me disse: «A ti, Yosef, te entrego este burrico
forte, meigo, manso e esperto,
que recolheu as palmas que eram para mim!
Toma-o, é teu, e a seu tempo te devolverá
a teu pai, Asher de Betânia!
E a ti mais te digo: Eu te constituo testigo
destes duros dias de contradição:
viste a figueira que secou?
Viste este povo que não se calou?
Não te cales tu também jamais,
e dize por aqui e por além o mais
que o Messias disse e fez!
Eis que, muitos esperaram ouvir e não ouviram,
esperam ver e não viram, nem bem nem mal!
Guarda-o para ti, que a seu tempo o dirás!».

– Filho meu, e que mais te disse o Messias?
– Que no 13 de Nisan seguisse o homem da bilha
até a sala de cima, onde a páscoa comeria
e o último vinho na terra Ele beberia!
No dia concertado, diligente, eu o segui,
e do cordeiro e ervas amargas comi.
Vi ainda Judas com a mão no seu prato,
e logo para a sombra, rápido sair o vi,
para o doce Mestre trair.
E mais não entendi, pois adormeci,
e por ali me aconchegou a Venturosa.
E quando inda o Fanfarrão não cria no perdão,
incansável, de novo vi depois a Chorosa,
a Lacrimosa, prestimosa a todos consolando,
como fonte santa do bem tão esperançado!
E feliz vi o dia primeiro, o da Ressurreição,
o da nova geração, o da inteira criação,
inundar todo o ar de luz, de paz e de bênção!

(Jesus não está morto, ressuscitou! Não, não é sonho, não é imaginação, nem fabricação! Nem a cruz nem a morte são a palavra final: Deus abriu o sepulcro e Cristo sai vitorioso iluminando toda a terra!
A vítima é o Vencedor da violência e da morte! Ainda que a morte se chame Kiev ou Moscovo, ou…, a verdade é que as pequeninas campainhas não se cansam, não se calam: Deus abriu os sepulcros, depois de visitar os mortos e os trazer para a vida,
Jesus ressuscitou!)

Frei João Costa
.carmo | nº 275 | março 31 2024