1. Natal não é só a manjedoira com o Menino Deus; é também a mãe e o pai de um e outro lado, e os anjos, e pastores, e ovelhas, uma estrela, algum cachorro ladinho, curiosos. É a comunhão entre o céu e a terra. E é os magos ou sábios vindos do Oriente em dimensão e missão de adorantes de um bebé frágil, e afinal o Rei dos reis e Senhor dos senhores. Esta adoração prestada por todos os povos (representados nos magos advindos e ajoelhados em torno à manjedoira) é celebrada hoje (5 de janeiro der 2025) nas nossas eucaristias. A este encontro entre sábios e Deus menino chamamos Epifania. Epifania, palavra feliz que tão bem soube achegar-se ao nosso linguajar) significa «manifestação» ou «aparição». Trata-se, neste caso, da manifestação de Deus a todos os povos, através da carne frágil de um bebé de nome Jesus – o Filho de Deus.
Esta festa sugere-me muitas meditações. Por falta de espaço nem todas podem ser aqui publicadas. Por isso, só direi duas: que Epifania é encontro e é caminho. É encontro só possível porque, primeiro, Deus nos encontra. E é caminho só aberto aos pés que caminham com capacidade e esperança de reconhecer os pequeninos.
2. Epifania é encontro e é busca. Não somos nós, porém, quem buscamos a Deus. É Deus quem, primeiro, nos busca a nós! Sim, buscamos porque somos buscados; depois que fomos buscados. Buscamos com esperança, porque primeiro fomos amados. Há encontro, porque há resposta da nossa parte – como somos felizes quando respondemos a Deus!
Epifania é encontro. Na verdade, se Deus se manifestou (a todos os povos) é porque eles O buscaram e, buscando-O depois da sua manifestação, O encontraram.
Não é preciso ler todo o Antigo Testamento – basta talvez lê-lo com alguma frequência – para nos apercebermos das ânsias daquele povo pela vinda de Deus à nossa terra. Tal como em qualquer lugar a terra dura e ressequida anseia pela chuva, assim os corações de Israel ansiavam, ao tempo, pela vinda e presença do Deus forte. Ou melhor, até era Deus quem mais ansiava descer ao coração do Seu povo! De facto, por muito que andemos em busca de Deus – e não existe busca sem que Ele nos faça despertar e arder em ânsias de busca e esperança de O encontrar –, digo, por muito que busquemos a Deus, quem mais nos encontra é Ele, porque é Dele o primeiro movimento, o primeiro passo, é Ele quem nos busca, quem advém para nós, é Ele quem mais ardor de ânsias tem (de nós). Sim, é verdade, ninguém nos conhece tão bem quanto Deus nos conhece! Repare-se, além dos nossos feitos e virtudes, Deus conhece, inclusive, todos os nossos erros e desvarios, mesmo os que a nós nos são ocultos; e ainda assim Ele continua a preferir-nos e a amar-nos, a gostar de nós, a querer vir ao coração da nossa vida para nos sarar e beijar! E para isso dá Ele o primeiro passo.
Sim, Deus não desiste jamais de nós! Sim, Deus quer vir e vem para nós; vem ao nosso encontro. (E sim, sem que Ele desse o primeiro passo, e até os passos todos, nós jamais O alcançaríamos…) Sim, nós queremos ir e vamos para Deus, queremos encontrá-l’O, sim, queremos beijá-l’O e abraçá-l’O, mas primeiro Ele quer vir, veio e vem ao nosso encontro – Nós queremos, sim, mas ele quis primeiro! Nós buscámo-l’O e o nosso coração anseia por Ele, que nós não passamos sem Ele, mas foi Ele quem primeiro nos amou, encontrou, tocou e instigou a sede de O procurarmos, aceitarmos e queremos beijar.
Como os Magos do Oriente.
3. Antes de O vermos no encontro onde Ele se deixa beijar, Epifania é caminho longo e difícil. Existe, porém, uma certeza embrulhada em esperança: quem se atira aos afazeres do caminho, encontra-O.
Deus vem primeiro, não haja dúvidas. E depois chama-nos, manda-nos sinais e atrai-nos para Ele. E nós vamos.
Se bem repararmos na narração de São Mateus, a Epifania supõe um longuíssimo caminho desenhado por entre as vicissitudes da vida de cada um, por entre os altos e baixos e os desertos da nossa vida. O Evangelista é honesto connosco: diz-nos ali que Deus jamais – jamais! – se esconde de nós. É verdade que entrou na história de forma frágil e humilde. Mas entrou e aproximou-se. Poderia Ele escusar-se ou evitar-nos? Sim, poderia – porque não? – mas não o fez. Até pode suceder que não nos apercebamos da Sua presença, tal o modo discreto e frágil em que, frequentemente, se nos mostra… mas o certo é que Ele veio mesmo para o meio de nós. Ele veio para os nossos caminhos. Para os caminhos de lama e de sangue, de tragédia e dores violentíssimas e injustas – de facto, não existe berma ou valado de caminho ou carreiro que Ele não frequente! Ele esteve e está connosco, caminhou connosco, comeu connosco, riu e chorou connosco e deu-se-nos inteiramente! É verdade que poderia ter optado por refulgir num palácio amuralhado e inacessível, revestir-se de roupas belas e de braceletes de ouro. E ter muitos guardas e seguranças a rodeá-lo. Mas não quis que fosse assim a sua «aparição». Ao revés, veio, vem e mostra-se-nos no rosto dum bebé pobre! No rosto dos pobres… Sim, sim, Deus poderia esconder-se ou ocultar-se de nós, lá bem atrás de biombos dourados, isto é, poderia preferir não se mostrar, ou apenas deixar-se entrever por entre gloriosos raios dourados, reservando-se só para alguns eleitos, mas não, se se escondeu – e escondeu – escondeu-se na carne de um bebé pobre, filho de uma garotinha e de um operário que dava pelo nome de Zé, no corpo de um refugiado e, depois, mostra-se-nos ao colo da Mãe.
O quero dizer é que nós não estávamos nem preparados nem formatados para O reconhecer o caminho dos pobres, como um filho dos deserdados da terra… mas, enfim, Ele mostrou-se para ser visto pelos pastores, pelos pecadores, pelos que duvidam, pelos que só têm certezas, pelos pobres – aqueles cujo olhar d’alma estava preparado para O ver e reconhecer; isto é, viram-n’O os que, em esperança, O aguardavam com sede de adoração! E também deixou-se ver pelos sábios que, longe ou perto, sabiam ler os sinais pequeninos da Sua presença modesta no nosso mundo e, depois, pôr-se a caminho para ir ao seu encontro.
O que é a Epifania?! Epifania é também caminho; aquele que nos faz ver o frágil, o miúdo, o resto, a réstea, o marginal, a discrição, o vagido de menino deitado por entre cordeiros mansos; Epifania é o caminho que nos aproxima e nos mostra Aquele cuja glória e resplendor jamais esmaga alguém, porque é pequenino, é disfarçado, discreto e levezinho.
Quantos quilómetros, me perguntas, tem esse caminho que nos faz ver a glória do Pequenino? Muitos e poucos. Mas se muitos, se poucos, tal depende do tempo que levemos a desaprender a amar as potências e omnipotências grandiloquentes em que este mundo nos treina e nos especializa. Como sempre, mas hoje talvez mais que nunca, é necessário e urgente aprender a preferir os preferidos e amados de Deus! Enfim, quanto tempo demoraremos a ousar perder tempo para desaprender caminhos de orgulho e soberba, para palmilharmos os que ajudam a reconhecer que Deus prefere falar-nos através dos pequeninos, das coisas minúsculas, dos trabalhos menos valorizados, dos gestos discretos, das virtudes austeras e da fome dos pobres?
O caminho da Epifania só é longo se apenas estamos treinados a reconhecer o grandioso!
Frei João Costa
.carmo nº 304 | janeiro 05, 2025