Ponto Carmo

Pinheiro fora, pés a caminho

1. Acabaram as celebrações do Natal, começou o Tempo Comum. Pinheiro fora, pés a caminho.

Embora socialmente (ou, comercialmente?) o Natal já tenha terminado, a verdade é que, na oração, ele se prolongou até hoje, domingo, dia 12 de janeiro 2025, Festa do Baptismo do Senhor. É sempre assim, o que só revela que o lado comercial se impõe à nossa vivência espiritual. (Ou dito de outro modo, tal como diz um amigo meu, o Barrigudo da Coca-Cola ganhou ao Menino nuzinho do presépio!)

2. É verdade que o pinheiro já voou pela janela há vários dias (depois dos Reis). Mas não deveria ser assim. E os que armaram o presépio – salvo as igrejas – já o arrumaram no armário; menos o meu amigo Ivo, que faz questão de o ter sempre armado sobre a mesa principal da casa. E, ó se é grande e majestoso o seu presépio!

Aliás, quem, ao longo desta semana, rezou a Liturgia das Horas e participou na missa diária da comunidade, soube reconhecer e saborear, tal como eu, outros sabores e virtualidades da liturgia do Natal, para além do Menino deitado na manjedoira, o cântico dos anjos, o rei mau, os solícitos pastores advindos à gruta, bem como a estrela e os Magos. Mas isso são outros quinhentos…

3. Onde este domingo nos situa já não é, pois, em Nazaré, menos ainda na fragilidade de Belém. Não, o Menino já não está na gruta, já nem vai à escola da sinagoga de Nazaré, já não é o adolescente ou o jovem a trabalhar no estaminé de José.

O que hoje vemos é o Jesus grande. E vêmo-lo, exactamente, entrando nas águas do rio Jordão. É caso para dizer que – admitamos que ele se achegou do Egipto a Nazaré por volta dos sete anos; talvez um pouco mais… –, é caso para dizer que de Nazaré ao Jordão vinte anos vão!

4. O que hoje começamos a celebrar no âmbito católico é, pois, o início da vida pública de Jesus. Até aqui, Ele viveu silencioso, laborioso e recatado, devoto e atento ao Pai. Mas eis que é chegado o tempo do Seu anúncio, o tempo da força da Sua palavra e do Seu andar, da Sua atenção e carinho pelos pequeninos e pelas gentes das margens.

Quando se diz que hoje começamos a celebrar, quer dizer, que começamos a rezar, meditar, seguir, acompanhar e a imitar a Jesus-Enviado do Pai, neste tempo novo da graça.

5. Situemo-nos ainda um pouco melhor: este é o dia em que Jesus se faz baptizar no Jordão. Tem, talvez, trinta anos. São José já morrera e Ele herdara-lhe a banca e o ofício de carpinteiro. Esta é a hora em que já maduro, aliás, bem maduro, e para as medidas do tempo, até já quase ancião, abandonou definitivamente a casa e o ofício de carpinteiro, e abandonou também a mãe – e mesmo que a tenha entregue aos cuidados de familiares, é algo que quase hoje não perdoamos compreendemos! –. E partindo de casa achegou-se ao rio, onde o Baptista «baptizava todo o povo». E apresentou-se ali para ser por ele baptizado e

«recebeu também ele o baptismo».

6. Hoje começou, pois, para Jesus, o tempo novo. Terminado o doce tempo de Nazaré, abriu-se-lhe o tempo de peregrino. «Enquanto orava, o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre Jesus […]. E fez-se ouvir uma voz: “Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus toda a minha complacência”». E então, confirmado e amado pelo Pai, impulsionado pelo Espírito, Jesus descobriu no Baptismo o sentido da sua vida e a missão a realizar. A partir dali, quer a silenciosa casa de Nazaré, quer o seu contexto comunitário, tornam-se passado e ele inicia novo caminho: o de reacender a esperança nas vidas órfãs e nos corações excluídos.

Ele sabe, agora, que é o caminho, mas sabe, sobretudo, que o caminho é a sua vida e missão.

Ele sabe que é o caminho, mas sabe, sobretudo, que é por Ele que temos de entrar e o devemos seguir como Autor do caminho.

Ele sabe que é o caminho mas, sobretudo, que é (o) peregrino.

Ele sabe que é o caminho mas, sobretudo, que caminhar como peregrino é dar cumprimento à vontade de amor e de salvação do Pai.

Ele sabe que é o caminho, o caminho de seguimento para André, Pedro, Bartolomeu, Mateus… Antão, Bento, Francisco e Clara, Teresa e João, Bento XVI, Francisco, Joana, Jacinta, Carlo, Chiara, Domingos, Luis, Imelda…

Jesus sabe que é o caminho e por isso vai para o caminho, não se encerra em nenhuma casa, em nenhuma sinagoga ou igreja, em nenhum templo ou santuário. Irá de terra em terra, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, anunciando o Reino, animando a esperança, oferecendo libertação.

Ele não fica em casa, vai ao encontro dos caminhos e das casas fechadas, propondo a todos abertura para o seguimento, fortalecimento para os corações e os pés que vão para o caminho novo.

Sim, Jesus é o caminho, como ficaria retido numa casa? Ninguém como Ele nos propõe um caminho que abra possibilidade de caminhar caminhos novos, novas aventuras, imensidões douradas.

7. Fazer caminho com o Caminho é ir, partir, ir sempre partindo(-se) e talvez jamais voltar. É percorrer distâncias, sim, cruzar e fazer travessias, transpassar montanhas e planícies; mas mais que um percurso exterior ou abrir o olhar para os grandes espaços, é aprofundamento e crescimento interior, abandono de lugares fechados e posições arrinconadas e estreitas.

8. Sigamo-l’O! Percorramos o caminho de olhos fixos Nele! Movamo-nos, demos passos, caminhemos, construindo vida sobre suas pegadas.

Frei João Costa
.carmo | nº 305 | janeiro 12 2025