Ponto Carmo

Jubileu: abram-se as portas do tempo novo

1. Jubileu é nome de um ano particular celebrado, ainda hoje, no contexto da grande comunidade católica. Se é certa a proveniência do nome – do contexto histórico-cultual judaico –, já não é inteiramente certa a origem do nome. Para uns, jubileu advém do modo como o início desse ano era anunciado por todo o país de Israel: soprando um corno de carneiro ou yobel; para outros, significando o jubiloso e incondicional regresso a casa de todos os escravos hebraicos, por ocasião da celebração do Jubileu – de 49 em 49 anos. De facto, de sete semanas em sete semanas de anos, em Israel, dava-se descanso à terra e libertavam-se os prisioneiros. Também nós, cristãos, quisemos assumir esse tempo novo, como um modo de nos reconciliarmos com Deus, entre nós e com a criação. Nunca tais desideratos foram alcançados com justiça, mas tal não significa que devamos facilitar ou adormecer durante o próximo Jubileu!

2. O tempo é mais que uma simples linha de pontos interligados a que damos nomes de passado, presente e futuro. É mais que sucessão de pedaços ou cacos ou estilhaços a que damos nomes como horas, dias, semanas, meses e anos, centúrias… É mais do que o conjunto daquilo que já não existe, nem é recuperável (o passado), ou o que ainda não é, nem ainda tem rosto (o futuro). E é muito mais que o presente que se esvai, se vai esvaindo e escorre, inexoravelmente, para o passado.

Somos seres que vivem no presente, num continuum de instantes, nunca no passado nem ainda no futuro. É verdade que também somos memória do que passou e que também nos abrimos para o que em cada manhã (ou a cada momento) se nos advém como novidade, tantas vezes imprevista e improvável.

Somos, sim, os únicos seres que lembram, que sabem que o tempo passa, que envelhecemos, que existem coisas que escorregam para o passado e por lá ficam e não voltam mais – pelo menos o tempo não volta mais.

Para nós, enquanto indivíduos e membros duma comunidade, o tempo é um desafio no seu mistério denso. E que desafio…

Tão célere e a correr passa o tempo que, mais que viver o presente, frequentemente, mais nos ocupamos em espiar o futuro e em petrificar o passado – até porque o presente, o instante sucessivo, já lá vai! E este e aqueloutro também… Como quão difícil é lidar ou perceber o tempo actual, esse que continuamente escorre para fora das bordas do instante!

3. Se o tempo contínuo está sempre a fugir aos humanos, já Deus, que o criou limitado, não é jamais limitado por ele, mas é Quem lhe empresta sentido e finalidade. Claro que para o homem o tempo foge, já, porém, em Deus ele adquire plenitude, é o lugar em que a Graça se instaura.

Se para o homem, o tempo foge, em Deus, ele plenifica-se, pois que para Deus o tempo é o verdadeiro lugar da Sua presença e a afirmação e confirmação das suas maravilhas em nosso favor.

Se a nós o tempo nos prende e nos devora, já a Deus jamais o tempo o constrange ou limita. Jamais. A nós, sim, cansa-nos a sucessão das minutos e das horas, a passagem da luz nocturna para a luz solar, dos meses, dos anos e das estações; mas para Deus o tempo é sempre tempo actual, sempre espaço recente, sempre tempo em frescura, também momento certo e tempo oportuno – e é ou não verdade, que Deus nunca envelhece, e nunca envelhecendo é no tempo que Ele nos abraça, redime e salva?

Seja, pois. O tempo cansa-nos, sim; porém, é neste tempo carcereiro e encarcerado que o tempo típico de Deus encontra o lugar ideal para intervir com solicitude, realizando obras maravilhosas em nosso favor. Abram-se-lhe, pois, todas as portas para o tempo fecundo e favorável!

4. É, pois, no espaço de tempo a que damos o nome de ano de 2025 que acontecerá o Jubileu de Esperança. Oficialmente o novo ano jubilar abriu a 24 de Dezembro de 2024, estava o Papa de cadeira de rodas – mas não de cócoras perante o tempo! –. Estava jubiloso como se pede a um ancião, mas não nervoso, como soem ser os jovens. E ordenou que a Porta Santa se abrisse, e assim «a esperança se escancarasse para o mundo». E hoje, 29 de dezembro, domingo da Sagrada Família de 2024, pelas 15:00h, abrir-se-á a Porta Santa da nossa catedral de Braga, para que também aqui se oiça que «esta é a hora em que a porta da esperança se escancara; esta é a hora em que Deus diz a cada um: também para ti há esperança» (Papa Francisco).

5. Sim, também para aqueles a quem impiedosamente o tempo mói e cansa, há luz gentil e esperança. Que a esperança é também para estes, sim. Para estes e para quantos se mostram moídos e triturados pelo tempo desesperançoso e cansino, pois que, também para eles se apresenta o jamais mensurado kairós de Deus, visto que «um dia para o Senhor é como mil anos, e mil anos como um dia» (2 Pedro 3:8).

6. Esta é a força do Jubileu, esta é a força da esperança: vencendo o tempo que nos mata, vence Deus, cujo tempo sem tempo não morre!

7. Segundo uma antiquíssima tradição que fomos beber aos judeus, de tempos a tempos, Deus instaura o tempo que não morre! Os judeus celebravam-no de 49 em 49 anos e impunham-lhe três obrigações: i) Abstenção de trabalhos agrícolas; ii) Liberdade incondicional para todo escravo hebreu; iii) Devolução de todos os campos aos seus proprietários originais.

Que, pois, o tempo se renove.

8. Também nós, católicos, celebramos de 25 em 25 anos este tempo especial, que se pretende seja tempo mais ameno, mais atento ao bater do coração de Deus, mais aberto ao coração ferido do irmão.

A este jubiloso tempo novo que se iniciou a 24 de dezembro de 2024 e que decorrerá até ao dia 6 de janeiro de 2026, quando se encerrará a Porta Santa, o Papa Francisco chamou Jubileu de Esperança. Neste ano pede-se, pois, aos católicos que redescubram a ilimitada misericórdia de Deus, através: i) do desapego ao pecado; ii) do crescimento na caridade; iii) da recorrência ao sacramento da penitência; iv) do revigoramento pela sagrada comunhão; v) e da oração pelas intenções do Papa.

Confiemos, em Deus até o tempo se renova!

Frei João Costa
.carmo: 233 | dezembro 29, 2024