O influencer do Escapulário do Carmo
Ninguém nasce santo, nem mesmo Carlo Acutis; embora pareça que este menino, sim. Carlo é verdadeiramente um santo da porta ao lado que se apresentava de ténis e jeans, como São Papa João Paulo II, seu catequista maior, gostava de sugerir que fossem os santos jovens de hoje. Foi um menino de «extraordinária vida ordinária», a quem a mãe, para o compreender, se inscreveu num curso de teologia!
Que o menino seja santo, sabemo-lo bem; que formalmente o seja, não o é, pelo menos para já, porque uma volta do destino impediu o Papa Francisco de o canonizar em seus dias pois que, sim, é verdade, ele teve dia e hora marcados para ser canonizado. E até quem se deslocou a Roma para a sua canonização, acabou participando das exéquias de Francisco! Ironias.
Carlo nasceu em Londres, em 1991. É filho de renomada família burguesa de Milão, Itália, temporariamente instalada no Reino Unido por razões de trabalho. Sua mãe chama-se Antonia Salzano, e o pai, Andrea Acutis – ambos, embora à data agnósticos, baptizaram o bebé no dia 18 do mesmo mês de nascimento – Maio.
Quatro meses depois, a família regressou a Milão, onde o menino frequentou escolas católicas, e o efervescente mundo cultural milanês em que a família navegava, visto seu avô materno ser um reconhecidíssimo livreiro e editor, sempre rodeado de jornalistas, opinion makers e escritores – um ambiente, diga-se, onde jamais se falava de Deus. Sua mãe, por exemplo, até ao seu nascimento, participara em apenas três Missas: «a da minha Primeira Comunhão, a da minha Confirmação, e a do meu casamento», reconheceu. Surpreendentemente, em Milão, a família passou a frequentar a Paróquia de Santa Maria do Anonimato. Entretanto, o menino crescia, e em crescendo, mostrava profunda inclinação para a piedade católica: gostava de visitar as igrejas da cidade; de colocar pequenas flores no altar de Nossa Senhora; de participar na Missa e comungar; rezar o terço; entregar-se ao voluntariado no serviço de refeições para os pobres… e organizar atividades religiosas através da Internet, tais como uma exposição dedicada à Eucaristia (e outra sobre aparições de Nossa Senhora – «a mulher da minha vida!») que pôs a cabeça à roda a meio mundo, pois foi hospedada nos sites de mais de dez mil igrejas, só nos EUA!
Essa exposição, posteriormente, apreciada em muitos outros países e continentes, tais como Singapura, China, Japão, África, Índia… teve uma origem interessante; é Antonia quem no-lo conta: «Como se pode ver, os bancos das igrejas estão sempre vazios à frente dos sacrários. Foi assim que a exposição nasceu e se espalhou por todo o mundo, imediatamente após a sua morte. Carlo teve logo uma reputação de santo, porque as pessoas sabiam que ele era um jovem cuja vida era consistente com aquilo em que ele acreditava. Por que é que os santos atraem? Porque Cristo está escondido neles, pois eles são portadores de Cristo! Carlo sempre disse que devemos eucaristizar-nos, porque depois nos tornamos contagiosos como Cristo – “Estar sempre unido a Jesus: esse é o meu programa de vida”, costumava ele dizer».
Nem é preciso insistir mais: o seu sorriso e a sua alegre devoção religiosa contagiaram a mãe Antonia, que acabou por converter-se; tal como atrás já foi recordado. E após ela, muitos outros. Em 2021, quando Carlo faria trinta anos, Antonia declarou: «mãe é sempre mãe. Quer seja dum bem-aventurado, quer seja um delinquente; seja quem for… A figura da mãe é sempre especial, porque tem como referência Maria, a nossa Mãe celeste, a verdadeira mãe.
O que sinto? Sinto que o Senhor escreve certo por linhas tortas. Porque, às vezes, escolhe pessoas que não são particularmente santas ou brilhantes para serem mães de um santo. Foi o que aconteceu comigo e com Carlo. Eu não sou de modo algum especial, mas graças ao Carlo – eu digo sempre que foi o meu “pequeno salvador” – que me reaproximou da fé, pois estava distante dela».
E noutro lugar já antes a mãe deixara dito: «foi o meu filho Carlo que me ensinou tudo. Mesmo em criança, ele demonstrou grande piedade. Aos três anos de idade, ao passarmos diante duma igreja, ele quis entrar, saudar Jesus na cruz e Jesus no sacrário, e levar pequenas flores a Nossa Senhora. Aos quatro anos e meio, ele lia a Bíblia e as vidas dos santos e rezava o terço. Se no caso de Santa Teresinha do Menino Jesus, os seus pais foram os grandes educadores; no caso de Carlo, os papéis foram invertidos – ele foi o meu pequeno salvador, e acima de tudo foi o meu grande educador na fé».
A par da mãe converteu-se também o pai e o mordomo da casa da família, que sempre acompanhava o menino nas saídas ao exterior. E após a sua morte, não poucos amigos declararam: «depois da morte de Carlo, eu reaproximei-me da Igreja e penso que tal pode ter sido devido à sua intercessão no céu!».
Aos nove anos era já um pequeno génio da informática, em razão da qual se entretinha, sozinho, com um velho computador. Recorda a mãe que: «ele lia livros de informática que havia comprado na Universidade Politécnica de Milão. Aprendeu algoritmos com os quais criou programas, depois websites para paróquias, para os Jesuítas e o Vaticano. Não o fazia para sua glória pessoal, mas para glória do Céu. Para o conseguir, passou horas a trabalhar nisso. E no Verão, em vez de se divertir, permanecia no seu computador até às três da manhã, porque queria divulgar a Boa Nova, o Evangelho, e usar as suas extraordinárias capacidades para proclamar a Cristo e ajudar os outros a aproximarem-se de Deus!» – eis o verdadeiro cyber-apóstolo da fé!
A sua letra favorita era o D, em razão do seu lema pessoal: «Não eu, mas Deus» (em italiano eu é io, e Deus é Dio)! Além do D, gostava de animais (tinha dois gatos, quatro cães e muitos peixes vermelhos num aquário); no parque gostava de recolher lixo e arrumá-lo; gostava de desenhos animados; filmes de acção e da PlayStation; do Pokémon e programas televisivos de quiz; de jogar futebol e dedicar-se ao voluntariado; ajudar estrangeiros, mendigos, incapazes, velhinhos e crianças; defender de ataques de bullying quem precisasse, levando-os para casa, tal como levava amigos cujos pais estivessem em processo de ruptura ou divórcio. Gostava de poupar dinheiro que, depois, distribuía semanalmente pelos pobres e pelos velhinhos, estrangeiros, irmãs de clausura e sacerdotes.
O segredo de toda a sua piedosa religiosidade foi a presença em sua infância duma ama polaca, analfabeta e devota de São João Paulo II. Mais que os pais, a piedosa analfabeta, marcou profundamente o menino que preferiu sempre «a glória de Deus ao amor próprio». De realçar que a memória do computador do jovem Acutis foi analisada por peritos indicados por quem promoveu a sua causa no Vaticano e «não encontraram nada que fosse inconveniente».
Na sua vida procurava apenas «viver em Deus e preocupar-se tanto com a beleza da alma, como com a do corpo»; e a quantos recomendava um processo de conversão, declarava tal ser muito fácil de alcançar, bastando: «deslocar o olhar de baixo para o alto, com um simples movimento do olhar».
Na verdade, em sua vida, Deus esteve sempre em primeiro lugar, de modo que gestos aparentemente banais, como dar os bons dias tornavam-se flechas de caridade que agraciavam os corações alheios!
A mãe Antonia reconhece: «o meu filho é certamente um influenciador de Deus, não um influenciador do nada, porque as coisas da terra são as que passam e deixarão de existir. O que restará é o quanto amamos a Deus, acima de tudo, e ao nosso próximo, como a nós próprios. Jesus diz-nos a cada um de nós: “Ide por todo o mundo. Proclamai o Evangelho”. Ele chama-nos a todos a sermos apóstolos, independentemente do nosso estado de vida. Portanto, antes de tudo, respondamos e sejamos portadores de Cristo. Sempre digo aos jovens: “Não banalizem a vossa vida, estejam sempre ligados ao Céu, e para estarmos ligados devemos rezar”. Se rezarmos, Deus guia-nos e somos mais dóceis às suas inspirações, para irmos e caminharmos diretamente no caminho certo. Assim, Carlo é um jovem do seu tempo, que viveu o que tu vives, com os mesmos perigos, alegrias e tristezas. Ele soube resistir e vencer o seu combate. Vence também o teu! Recorda que Jesus é um grande amigo e que os sacramentos são grandes meios. Tira partido desta grande oportunidade!».
Carlo Acutis amava, particularmente, os sacramentos da Eucaristia e da Confissão.
Aquando da sua Primeira Comunhão, aos sete anos, disse uma frase que ficou para sempre conhecida: «a Eucaristia é a minha autoestrada para o céu!», e chegava a considerar que a participação na Missa favorecia a possibilidade de «ir para além das estrelas», por lhe permitir estar com Jesus, parecer-se mais a Jesus e participar da Sua eternidade.
Juntamente com a comunhão gostava de fazer adoração, por entender que aquela ajudava ao colóquio e à confidência com Jesus. Aliás, perguntava-se frequentemente como é que tanta gente, incluindo católicos, permaneciam durante horas em filas para assistir a concertos de rock, e não encontravam tempo para estar cinco segundos em silêncio diante do sacrário!
Carlo amava muitíssimo a adoração, porque por ela se fazia companheiro de Jesus, e depois disso, não poder desejar algo melhor nem mais alto! E não era daqui, da adoração, que lhe nascia o gosto de ajudar quem precisava e de dar esmolas?
O mal vence-se com a prática do bem; se até os bons desistirem de fazer o bem, como se poderá vencer o mal? Na vida de Carlo esse era o fundamento da prática de se confessar: confessava-se para reconhecer o bem que fazia, e reconhecer o mal que desafiava o bem e que o impedia de o fazer! Dizia: «o meu menor defeito deixa-me ancorado à terra! Para subir o balão tem de largar pesos; assim também a alma tem de se libertar até dos pequenos pesos que são os pecados veniais!».
O santo que Carlo mais admirava era o jovem Apóstolo João – e não era para menos – porque João era o discípulo mais amado de Jesus!
Caindo doente em Outubro de 2006 descobriu-se-lhe uma leucemia fulminante. Caindo no hospital, declarou: «mamã, prepara-te, que daqui não saio mais!». Por seu lado, Andrea, seu pai que também se convertera pelos diálogos com seu filho, recorda as palavras que naquela hora lhes deixou: «ofereço todos os sofrimentos que deverei padecer pelo Papa e pela Igreja, para não passar pelo Purgatório e ir directo para o Céu!».
Uma das suas peregrinações foi à Cova da Iria. Quis conhecer os relatos de Fátima e impressionou-se muito particularmente com as palavras dos Pastorinhos sobre o Inferno. Foi a partir desse dia que decidiu rezar o terço todos os dias, e com particular atenção e devoção à oração que Nossa Senhora ensinou a 13 de outubro de 1917: «Ó meu bom Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do Inferno; levai as almas para o Céu, principalmente as que mais precisarem».
E se na Eucaristia – a que sempre procurava chegar com antecedência para adorar, e dela se retirava depois de alguns momentos de adoração –, era a sua «autoestrada para o céu», o terço tornou-se a sua «escada para o céu», razão pela qual nunca deixou de o rezar.
Tal como jamais se pode separar mãe e filho, Carlo Acutis e o amor a Nossa Senhora são igualmente inseparáveis. A devoção do menino à Virgem Maria começou quando ainda ele era pequenino, e sua ama, Beata, lhe apresentou a imagem de Nossa Senhora de Czestochowa. Com natural simplicidade, Beata explicou-lhe que Maria não era apenas Mãe de Deus, mas também «a nossa mamã do céu». Depois daquela explicação, jamais ele esqueceu tais palavras, pelo tanto que a descoberta lhe tocou o coração e por logo ter compreendido que Maria não era apenas uma figura distante na história da Igreja, mas alguém presente e próximo, capaz de conduzi-lo até Jesus Cristo.
Desde então, começou a dirigir-se a Nossa Senhora com familiaridade e gestos simples – gestos simples, não obrigações! – por exemplo: deixar pequenas flores aos pés das imagens da Virgem, tal como um filho que presenteia sua mãe. De facto, sempre que entrava numa igreja, cumprimentava Jesus e depois saudava a Mãe!
A família ia muitas vezes à Missa à Igreja do Carmo, que ficava perto de sua casa. Carlo começou, então, a interessar-se pelo Escapulário e, aos sete anos pediu para o receber, tal o impacto que nele produziu o conhecimento da sua história. Foi um frade Carmelita que lho impôs e o menino apreciou muito esse sinal de consagração a Nossa Senhora. Aliás, sentindo-se chamado a ser santo todos os dias, assumiu-o como compromissode fidelidade a Jesus.
Antonia, sua mãe, que à data não usava o Escapulário, possuía um de ouro que sua avó lhe oferecera quando menina. Ofereceu, então, o seu Escapulário ao filho pelo que Carlo alternava, ora usando o de pano, ora o de ouro. E sentindo-se muito feliz, não se cansava de dizer: “Que bom, agora Jesus e Maria estão juntinhos no meu peito, junto ao meu coração!”.
Confiando sempre na protecção de Nossa Senhora do Carmo, ele gostava de dizer que «todos nascemos originais, mas muitos morrem como fotocópias», e por essa razão morreu com o seu Escapulário ao peito!